OS CONTADORES DE HISTÓRIA DA GALILÉIA

OS CONTADORES DE HISTÓRIA DA GALILÉIA


O escritor e teólogo Albert Nolan tem uma esclarecedora teoria acerca dos milagres feitos por Jesus narrados no evangelho segundo Marcos; um dos quatro evangelhos que compõem a Bíblia.
Segundo Nolan, o escritor canônico Marcos, insatisfeito com a mera imagem de mestre de Jesus, comum na igreja da sua época, resolveu consultar os moradores simples e humildes dos vilarejos da Galiléia e ouvir as suas histórias fantásticas sobre o nazareno.
Afinal de contas, fatos extraordinários e feitos sobrenaturais contados por gente admirada e perplexa servem melhor para captar a atenção dos leitores do que doutrinas exaustivas ensinadas por um mestre judeu. Nos nossos dias não é diferente, o povo prefere as histórias de vampiros e iluminattis do que o conhecimento real e cru da verdade.
E assim se fez, o evangelista Marcos, conhecedor que era dos recursos literários capazes de atrair a atenção do grande público, entrevistou os camponeses pobres da Galiléia (a maioria sequer tinha se convertido ao cristianismo) e ouviu atenciosamente as suas historietas mirabolantes carregadas de superstição sobre milagres e colocou-as na Bíblia.
O grande problema é que “aquele que conta um conto acrescenta um ponto”. É o “telefone sem fio na Bíblia”, o fato acrescido de “enfeites” que não possuía originalmente, a canonização do “era uma vez...”. Foi assim que nasceu um outro Cristo que antes não existia.
Imagine agora um camponês tomado de orgulho por ter sido convidado a dar o seu depoimento sobre Jesus falando acerca de uma divisão fraterna do alimento entre os discípulos (reconstrua a imagem em sua mente): “Ele multiplicou os pães, é verdade, acreditem em mim. Havia só alguns pãezinhos e ele alimentou uma multidão, mais ou menos cinco mil homens bem diante dos nossos olhos”.
O homem comum nunca se daria por satisfeito em dizer o que realmente viu. Ampliar a história, adorná-la e acrescentar-lhe certos detalhes fantásticos é uma forma de se autopromover, de ser visto como “homem de Deus” e comunicador de episódios extraordinários.
Nunca dê importância além da conta ao que diz o “povão” quando você desejar conhecer os fatos exatamente da forma que aconteceram. Exceto, é claro, se você, assim como o evangelista Marcos, estiver pleiteando a carreira de escritor de multidão, autor de um best-seller.
Da teoria histórico-teológica de Nolan e da leitura da Bíblia podemos concluir duas coisas: a estratégia de Marcos funcionou perfeitamente e é preciso “dar um desconto” quando lemos as narrativas de milagres na Bíblia. Nem tudo o que parece é!
E a igreja cristã como fica nessa história? Você perguntaria. Viciada como ela é em milagres e sinais “divinos”, fica em maus lençóis. A igreja construiu a sua casa sobre a areia (é a Bíblia contra a Bíblia).
O cristianismo é assim: “côa o mosquito e engole o camelo”. O problema é que camelos engasgam, descem com muita dificuldade, são indigestos. O maior milagre de Cristo quase ninguém viu!

André Pessoa