O
mito de Narciso é um dos mais belos do mundo grego antigo e foi amplamente
utilizado pela psiquiatria moderna para explicar certos aspectos da
personalidade humana. Reproduzirei resumidamente a história desse importante
personagem da mitologia grega para que os leitores possam compreender melhor
aquilo que eu discutirei neste texto.
Narciso era filho de Céfiso (deus
do rio) e da ninfa Liríope. Quando ele nasceu, os pais assustados com a sua
intensa e exuberante beleza, consultaram o adivinho Tirésias para saber o
futuro do seu filho. O sábio lhes disse que Narciso teria vida longa se nunca
contemplasse a própria face.
Muitas moças e ninfas se apresentaram
a Narciso querendo cortejá-lo, mas ele não se interessou por nenhuma delas.
Entretanto, uma em especial, a ninfa Ecos, ficou muito triste com a rejeição e
retirou-se para um lugar ermo onde morreu desolada. As outras rejeitadas pediram
que a deusa Némesis as vingasse e punisse Narciso.
Némesis apiedou-se delas e resolveu
induzir Narciso a morte. Depois de uma longa e exaustiva caçada, Narciso
debruçou-se diante da fonte de Téspias para saciar sua sede e viu a própria
imagem refletida no espelho das águas. Inebriado com a própria beleza, Narciso
contemplou-se até morrer. No lugar onde ele morreu nasceu uma flor estéril.
Sempre que escuto a história de
Narciso penso na relação existente entre este mito arquetípico e algumas
pessoas dos dias de hoje. Mesmo tendo o cuidado de não me deixar influenciar
por clichês pessimistas produzidos pelo alarmismo, não posso deixar de admitir que
uma das principais características da pós-modernidade é o individualismo
exacerbado e o culto de si mesmo.
A cada dia que se passa as pessoas
estão mais bonitas por fora e mais feias por dentro. Ao que tudo parece
indicar, o progresso estético tem sido diretamente proporcional à involução do
caráter. Nas ruas e nos perfis do face book existe um verdadeiro desfile dessas
incontáveis figuras belas e fúteis ao mesmo tempo.
Tal e qual o Narciso do mito grego,
muitos vivem a se contemplar nas águas da “fonte de Téspias” enquanto avançam tentando
virar celebridade e se afogando no orgulho infantil e no individualismo
doentio. Aliás, até ler com mais profundidade o mito de Narciso eu não
conseguia entender porque as pessoas no mundo virtual gostam de se fotografar
se fotografando.
É isso mesmo: as pessoas no face book adoram
se fotografar se fotografando para que possam se vê se vendo! É quase impossível visitar algum perfil na
internet que não tenha a foto de uma garota que se fotografou se fotografando
ou um garotão sarado fazendo o mesmo. É o narcisismo levado às últimas consequências,
é o orgulho de si elevado à potência máxima.
Como se não bastasse se fotografar se
fotografando, há aqueles que se fotografam se fotografando diante do espelho. Penso
que Isso é uma versão pós-moderna da história da bruxa malvada que perguntava
para o seu espelho mágico: “espelho, espelho meu, existe alguém mais bela do
que eu?”.
Resumindo:
se fotografar sozinho já é um ato individualista. Se fotografar se fotografando
é uma forma de enfatizar a individualidade; e se fotografar se fotografando
diante de um espelho é o mesmo que querer se vê três vezes ao mesmo tempo.
Narciso não passa de uma criança diante dos internautas!
Com tantas e variadas evidências, chegamos
a seguinte conclusão: vivemos em um mundo ensimesmado. Estamos na era das
adesões frágeis e da liquidez fluída dos contatos superficiais e adotamos o
culto de nós mesmos. Contudo, deveríamos lembrar que Narciso morreu ao
contemplar-se exaustivamente e no seu lugar nasceu apenas uma flor triste e
estéril!
André Pessoa
" Como se não bastasse se fotografar se fotografando, há aqueles que se fotografam se fotografando diante do espelho. Penso que Isso é uma versão pós-moderna da história da bruxa malvada que perguntava para o seu espelho mágico: “espelho, espelho meu, existe alguém mais bela do que eu?”."
ResponderExcluirMelhor parte! hahahaha
Pois é, no mundo capitalista de hoje, tanto como o senhor já citou uma vez para nós na sala de aula, é difícil NÃO SER individualista na nossa sociedade. Ainda me pergunto se é errado ou não viver dessa forma... (?)