O TEMPLO EM CHAMAS
As
últimas notícias que estão chegando do Egito preocupam o mundo e mostram que a
violência ainda continua sendo a forma mais utilizada por aqueles que não
conseguem chegar a um acordo quanto as suas diferenças. Na quarta-feira
passada, 14 de agosto, pelo menos 640 manifestantes que apóiam o presidente
deposto do Egito, Mohammed Morsi, foram violentamente assassinados por tropas
da polícia e do exército egípcio.
A
hostilidade, o impasse e o “tempero” religioso do conflito parecem sugerir que
o banho de sangue só está começando e que talvez o Egito se transforme em uma
nova Síria. As imagens e fotos do conflito da última quarta-feira no Egito
veiculadas na internet não deixam dúvida da violência dos acontecimentos e
talvez indiquem o início de uma longa guerra civil.
Mohammed
Morsi foi eleito de forma considerada legítima nas eleições presidenciais de
2012 depois da deposição do até então ditador Hosni Mubarak. Morsi,
representante do braço político da Irmandade Muçulmana, desentendeu-se com
certos setores institucionais e recebeu um ultimato do exército afim de que
abandonasse o cargo.
Com
a saída de Morsi, Adly Mansou, líder da Suprema Corte, apoiado pelo exército,
subiu interinamente ao poder prometendo uma nova eleição para o início de 2014.
A Irmandade Muçulmana e outros setores da sociedade que apoiavam Morsi não
aceitaram a proposta e foi às ruas protestar.
Acampamentos
de apoiadores de Morsi foram erguidos em praças e ao redor da mesquita de
Al-Adawiya no Cairo com a finalidade de pressionar o governo e garantir a volta
de Morsi ao poder. No último dia 14 de agosto, quarta-feira, tropas da polícia
e do exército receberam ordens para desmontar os acampamentos e
dispersar a multidão.
Homens
armados munidos de escavadeiras arrastaram tudo o que viram pela frente e
abriram fogo contra os obstinados manifestantes que foram mortos impiedosamente
(fala-se em 640 mortos só na quarta-feira). Hospitais improvisados em mesquitas
tentavam cuidar dos feridos que eram colocados ao lado de centenas de cadáveres
que iam chegando. Uma tragédia!
Deixando
de lado o caráter jornalístico deste texto, mergulhemos no sentido de tudo isso
começando por responder a uma importante pergunta: O que significa toda essa
violência? O conflito no Egito é apenas mais um dos muitos que se iniciaram com
a chamada “primavera árabe”. Entre outras características desse grupo de
conflitos que foi “batizado” com o doce nome acima, destaca-se uma tendência ao
laicismo.
No
Egito, por exemplo, não foi nenhum grupo religioso em especial que depôs
Mubarak, mas uma sociedade que parecia cansada das ditaduras sejam elas de
fundamento religioso ou não. Ao que tudo indicava o Egito não queria ser governado por um ditador e nem tampouco
por algum tipo exótico de xeque que tivesse como referência o Corão e
abominasse as “delícias” do mundo ocidental.
O
oriente e outras partes do mundo como o nordeste da África, onde fica o Egito, pareciam
estar dispostos a adotar uma cultura menos religiosa e mais laica que
permitisse vôos mais altos na direção do consumismo e da sensualidade tão
comuns no mundo ocidental. Por trás das palavras de ordem gritadas nos
protestos durante a Primavera Árabe havia uma vontade não declarada de
ingressar no universo da Mcdonalds.
Talvez
por esse motivo, a eleição de Morsi e a nomeação de líderes muçulmanos para
importantes cargos políticos tenha sido rejeitada pelas forças armadas que até
então pareciam representar a “civilização”. Entretanto, como supôs em um dos
seus livros o escritor britânico George Orwell, é com muita facilidade que o
oprimido se torna opressor.
No
Egito, grupos militares preteridos por Morsi e sedentos de poder, em nome de
uma “tendência laica civilizada” tomaram o poder e estão massacrando de forma
bárbara aqueles que se afirmava serem bárbaros incivilizados e fanáticos
religiosos. Afinal de contas, quem de fato é bárbaro e fanático nessa história?
Difícil dizer.
De
todas as cenas que vi nos últimos dias no Egito, uma preocupou-me porque parece
ser o símbolo do que virá: uma mesquita incendiada e com as paredes chamuscadas
pelo fogo e pela força da artilharia. Os templos queimados sempre representaram
ao longo da História uma de duas coisas: ou o fim de uma religião ou começo de
uma guerra sangrenta.
André Pessoa
Ótimo texto!!! Parabéns professor
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