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domingo, 3 de fevereiro de 2013


CARNAVAL COM JESUS


               Neste domingo, enquanto ia ao supermercado, fui surpreendido por uma ação curiosa e relativamente incomum. Enquanto os carros passavam lentamente indo e voltando na via principal do lugar onde moro, em frente a uma conhecida igreja, um grupo de “foliões de Jesus” distribuía panfletos evangélicos e dançavam ao som de frevo gospel.  
               Enquanto os automóveis diminuíam a marcha, foliões evangélicos os abordava,  ofereciam um copinho com água mineral gelada e um pequeno panfleto onde se lia as palavras: “Bloco da folia eterna”. Eu sei que a Bíblia diz que há festa no céu, mas isso já é demais, carnaval Deus não deixa! (kkkkkk)
               O panfleto que me foi entregue pelos foliões cristãos dizia o seguinte: “todo carnaval é a mesma coisa. Quatro dias de muita alegria e depois um vazio imenso no coração”. A ideia do panfleto era confrontar uma alegria passageira (produzida pelo carnaval) com a alegria eterna (promovida por “Jesus”).  
Concordo plenamente que a quarta-feira de cinzas e o fim do carnaval trazem consigo um vazio que é próprio das atividades intensas e efêmeras como o carnaval ou qualquer outra coisa passageira. Mas, da mesma forma, a rotina mecânica dos cultos também produz um vazio existencial religioso que com o tempo conduz ao nada e a rejeição do cristianismo!
               Permita-me esclarecer um pouco as coisas. A igreja cristã sempre esteve ligada às posturas fundamentalistas e moralistas. Com raríssimas exceções, algo de verdadeiramente novo foi proposto nos meios eclesiásticos ao longo de toda a história do cristianismo; propor algo diferente sempre foi visto como crime e heresia dentro da igreja.  
O tempo passou, o mundo mudou e uma nova questão surgiu: tornou-se urgente tentar adaptar o culto cristão às novas demandas do mundo contemporâneo, para usar a expressão popularizada por René Kivitz nos meios eclesiásticos evangélicos, “quebrar paradigmas”.  Depois de Kivitz quase tudo se quebrou, menos os paradigmas!
               Com a pretensa mudança na igreja surgiu então uma “cultura gospel” no Brasil, forma americanizada de dizer a mesma coisa: fé evangélica, lei de crente, estilo de vida cristão e outras coisinhas do gênero. Com a cultura gospel apareceu um grande número de grupos cristãos introduzindo um inusitado espectro de usos e costumes até então estranho às igrejas.
               Mas a “mudança” e a “quebra de paradigmas” pararam por aí. Fora alguns pastores  pregando de camisa florida, crentes do sexo masculino usando brincos e blocos de carnaval evangélicos, nada de essencial mudou no cristianismo. Tudo continua exatamente como sempre foi apesar do “verniz” de contemporaneidade.
               Nesse sentido, o que aconteceu em algumas igrejas foi algo meramente carnavalesco, ou seja, elas mudaram a fantasia, mas continuaram sendo as mesmas comunidades de sempre fundadas em percepções do mundo que há muito já caducaram. Mudaram a roupa, mas continuaram sendo o que sempre foram!
               Na verdade, parafraseando e invertendo o texto bíblico, o que as igrejas estão fazendo é “colocar vinho velho em odres novos”. Apesar dos foliões, dos blocos cristãos, das inúmeras marchas para Jesus, a essência da igreja não mudou e os seus fundamentos e doutrinas continuam os mesmos de sempre, incompatíveis com as novas demandas.
               Mudar algo não significa apenas mudar a embalagem. Uma mudança significativa em qualquer coisa, inclusive na igreja, só é possível com um questionamento radical daquilo que é pregado nos púlpitos e ensinado nas escolas bíblicas dominicais em termos de doutrina e dogmas religiosos.
               Além do mais, a igreja supõe que ela é uma espécie de pedra filosofal que transforma em ouro tudo aquilo em que toca. Rock fora da igreja é do diabo, dentro dela é de Deus; carnaval fora da igreja é do satanás, dentro dela é de Jesus. Isso me parece muito pretensioso e exclusivista.
               Alguém pode até argumentar o seguinte: o carnaval proposto pela igreja condena a pornografia, a violência e a bebedeira. Talvez, mas para não aderir a essas práticas não é necessário ser membro de uma igreja, seja ela qual for, basta ter consciência, ser cidadão e entender o que significa viver moderadamente.
               O grande erro do cristianismo e que o torna ultrapassado e desconectado com o mundo contemporâneo é exatamente essa obstinação em condenar as “práticas mundanas” e não em fornecer um sentido real para a existência. Por esse motivo, a cada dia o cristianismo torna-se mais contraditório, praticando hoje o que condenou ontem!
                                                                         
                                                                                                                      André Pessoa
               

Um comentário:

  1. É muito impressionante mesmo... seus textos como sempre muito esclarecedores e completos em suas abordagens. Vc é um verdadeiro educador e cientista porque aplica, atraves de seus textos e de suas reflexões, as razões cientificas ou suas conclusões nos fatos cotidianos. E assim vamos entendendo aos poucos a nossa vida e o nosso mundo lendo seus textos, pesquisando em outras fontes e cada vez mais minhas opiniões sempre se aproximam das suas. Também tenho muitos questionamentos em relação a esses temas sobre religião, moral e politica e vc fala disso com muita sabedoria e humildade. Muitas saudades de vc e de suas aulas. Abraços.

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