CARNAVAL COM JESUS
Neste domingo,
enquanto ia ao supermercado, fui surpreendido por uma ação curiosa e
relativamente incomum. Enquanto os carros passavam lentamente indo e voltando na
via principal do lugar onde moro, em frente a uma conhecida igreja, um grupo de
“foliões de Jesus” distribuía panfletos evangélicos e dançavam ao som de frevo
gospel.
Enquanto
os automóveis diminuíam a marcha, foliões evangélicos os abordava, ofereciam um copinho com água mineral gelada e
um pequeno panfleto onde se lia as palavras: “Bloco da folia eterna”. Eu sei que a Bíblia diz que há festa no
céu, mas isso já é demais, carnaval Deus não deixa! (kkkkkk)
O
panfleto que me foi entregue pelos foliões cristãos dizia o seguinte: “todo carnaval é a mesma coisa. Quatro dias
de muita alegria e depois um vazio imenso no coração”. A ideia do panfleto
era confrontar uma alegria passageira (produzida pelo carnaval) com a alegria
eterna (promovida por “Jesus”).
Concordo plenamente
que a quarta-feira de cinzas e o fim do carnaval trazem consigo um vazio que é
próprio das atividades intensas e efêmeras como o carnaval ou qualquer outra coisa
passageira. Mas, da mesma forma, a rotina mecânica dos cultos também produz um
vazio existencial religioso que com o tempo conduz ao nada e a rejeição do
cristianismo!
Permita-me
esclarecer um pouco as coisas. A igreja cristã sempre esteve ligada às posturas
fundamentalistas e moralistas. Com raríssimas exceções, algo de verdadeiramente novo foi proposto nos
meios eclesiásticos ao longo de toda a história do cristianismo; propor algo
diferente sempre foi visto como crime e heresia dentro da igreja.
O tempo
passou, o mundo mudou e uma nova questão surgiu: tornou-se urgente tentar
adaptar o culto cristão às novas demandas do mundo contemporâneo, para usar a
expressão popularizada por René Kivitz nos meios eclesiásticos evangélicos,
“quebrar paradigmas”. Depois de Kivitz
quase tudo se quebrou, menos os paradigmas!
Com
a pretensa mudança na igreja surgiu então uma “cultura gospel” no Brasil, forma
americanizada de dizer a mesma coisa: fé evangélica, lei de crente, estilo de
vida cristão e outras coisinhas do gênero. Com a cultura gospel apareceu um
grande número de grupos cristãos introduzindo um inusitado espectro de usos e
costumes até então estranho às igrejas.
Mas
a “mudança” e a “quebra de paradigmas” pararam por aí. Fora alguns pastores pregando de camisa florida, crentes do sexo masculino
usando brincos e blocos de carnaval evangélicos, nada de essencial mudou no
cristianismo. Tudo continua exatamente como sempre foi apesar do “verniz” de
contemporaneidade.
Nesse
sentido, o que aconteceu em algumas igrejas foi algo meramente carnavalesco, ou
seja, elas mudaram a fantasia, mas continuaram sendo as mesmas comunidades de
sempre fundadas em percepções do mundo que há muito já caducaram. Mudaram a
roupa, mas continuaram sendo o que sempre foram!
Na
verdade, parafraseando e invertendo o texto bíblico, o que as igrejas estão
fazendo é “colocar vinho velho em odres
novos”. Apesar dos foliões, dos blocos cristãos, das inúmeras marchas para
Jesus, a essência da igreja não mudou e os seus fundamentos e doutrinas
continuam os mesmos de sempre, incompatíveis com as novas demandas.
Mudar
algo não significa apenas mudar a embalagem. Uma mudança significativa em
qualquer coisa, inclusive na igreja, só é possível com um questionamento
radical daquilo que é pregado nos púlpitos e ensinado nas escolas bíblicas dominicais
em termos de doutrina e dogmas religiosos.
Além
do mais, a igreja supõe que ela é uma espécie de pedra filosofal que transforma
em ouro tudo aquilo em que toca. Rock fora da igreja é do diabo, dentro dela é
de Deus; carnaval fora da igreja é do satanás, dentro dela é de Jesus. Isso me
parece muito pretensioso e exclusivista.
Alguém
pode até argumentar o seguinte: o carnaval proposto pela igreja condena a
pornografia, a violência e a bebedeira. Talvez, mas para não aderir a essas
práticas não é necessário ser membro de uma igreja, seja ela qual for, basta
ter consciência, ser cidadão e entender o que significa viver moderadamente.
O
grande erro do cristianismo e que o torna ultrapassado e desconectado com o
mundo contemporâneo é exatamente essa obstinação em condenar as “práticas
mundanas” e não em fornecer um sentido real para a existência. Por esse motivo,
a cada dia o cristianismo torna-se mais contraditório, praticando hoje o que
condenou ontem!
André
Pessoa
É muito impressionante mesmo... seus textos como sempre muito esclarecedores e completos em suas abordagens. Vc é um verdadeiro educador e cientista porque aplica, atraves de seus textos e de suas reflexões, as razões cientificas ou suas conclusões nos fatos cotidianos. E assim vamos entendendo aos poucos a nossa vida e o nosso mundo lendo seus textos, pesquisando em outras fontes e cada vez mais minhas opiniões sempre se aproximam das suas. Também tenho muitos questionamentos em relação a esses temas sobre religião, moral e politica e vc fala disso com muita sabedoria e humildade. Muitas saudades de vc e de suas aulas. Abraços.
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