UMA ESTRANHA RENÚNCIA
Os pontificados longos são mais comuns na Igreja Católica do que os
breves; exceto quando por algum motivo obscuro eles terminam repentinamente. O
fim abrupto do ministério sacerdotal de Bento XVI parece exemplificar este
último caso.
Nem mesmo a
plena consciência de Bento XVI acerca das suas limitações físicas e as
recomendações médicas são suficientes para justificar a renúncia do pontífice. Por
trás do comunicado eloquente do papa outros motivos certamente se escondem.
Velhice,
corpo cansado e debilidade física nunca foram motivos suficientes para produzir
a renúncia de um papa dentro catolicismo. Pelo contrário, a juventude e a
inovação é que sempre foram vistas pela Santa Sé como empecilho ao pontificado.
O
catolicismo nunca se apoiou na vitalidade dos seus pontífices e sim na velhice
das suas tradições e na ortodoxia das suas doutrinas e dogmas. Sendo assim,
então o que teria acontecido para que Bento XVI renunciasse?
Penso que
nas entrelinhas da renúncia de Bento XVI pode-se ler muito mais coisas do que
se imagina. Além das querelas e intrigas comuns ao Vaticano, acredito que a
renúncia do papa pode ser creditada a três outras coisas.
Primeiramente, a impopularidade do
sumo pontífice que teve a difícil missão de substituir um dos mais carismáticos
papas da Igreja Católica: João Paulo II. Ao contrário de Karol Wojtyla, que
tinha semblante de bom velhinho, Bento XVI parecia muito austero.
O primeiro tinha ares de amável
ancião, respeitado até mesmo pelos protestantes que vez por outra lhe tomavam a
benção. O segundo teve a sua imagem associada a uma figura irredutível que
trazia à memória os rigores da inquisição.
Na verdade, o pontificado de Bento
XVI nasceu com os dias contados uma vez que parecia representar a volta a um
passado que a igreja queria esquecer. Aos olhos do mundo, Joseph Ratzinger jamais
deveria ter se tornado papa (o Vaticano percebeu isso depois)!
Por último, pode-se dizer, sem medo
de errar, que a renúncia de Bento XVI representa uma correção de rota
programada pela própria cúpula da Igreja Católica. Ela representa um ato
pensado do Vaticano e uma mudança de estratégia em face das novas demandas.
Que sentido faz manter como
autoridade máxima da igreja Católica um autêntico representante do antigo
sistema monárquico católico que nasceu no mundo medieval? Que lógica há em
conferir a um alemão conservador a tarefa de salvar o catolicismo cambiante?
A velhice de Bento XVI nada mais
representa do que a velhice do próprio sistema religioso católico que a igreja
resolveu tentar rejuvenescer antes que seja tarde demais. Não me admirarei se o próximo conclave escolher um papa latino-americano.
Afinal de contas, o catolicismo e a
própria religião cristã está definhando em todo o mundo, com exceção da América
Latina e do continente africano. Um papa negro? Ainda não. Não confunda o
Vaticano com os Estados Unidos da América.
André Pessoa
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