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domingo, 20 de janeiro de 2013


JESUS CRISTO NO ANTIGO TESTAMENTO?

               A teologia cristã tradicional, como praticada por católicos e protestantes, ensina que as promessas do Antigo Testamento e as expectativas contidas no mesmo se cumprem no Novo Testamento. De acordo com essa fórmula teológica, por exemplo, Jesus seria o messias prometido nos textos do AT, embora os judeus não concordem com isso.
               Analisando de forma mais sensata e sóbria a história da igreja e a formação das doutrinas e dogmas cristãos percebemos que esse equívoco custou caro ao cristianismo e gerou muita confusão. Ler o AT com as lentes cristãs neotestamentárias produz equívocos teológicos quase incorrigíveis.
               Levar para a leitura de qualquer texto os nossos pressupostos e preconceitos, bem como as nossas pretensões teológicas infundadas, só produzem anomalias e erros crassos. O Antigo Testamento precisa ser lido como produção judaica e não como coletânea de histórias que aponta para algo que lhe transcende (Cristo).
               Por exemplo, em qualquer igreja evangélica ensina-se através de sermões e aulas de escola bíblica dominical que o texto encontrado no capítulo 53 do livro vetero-testamentário do profeta Isaías se refere aos sofrimentos de Cristo. Eis aí um flagrante exemplo de exegese bíblica cristã mal sucedida!
               É plausível comparar os sofrimentos de qualquer profeta incompreendido com os próprios infortúnios de Cristo, mas vê-lo onde ele não está não passa de fanatismo religioso. Jesus não é citado nem direta nem indiretamente no AT e nada do que possamos dizer mudará esse fato.
               O autor do livro de Isaías, que provavelmente viveu entre 765 e 681 A.C., como judeu que presenciou a destruição de Samaria pelos Assírios, não tinha em mente Jesus Cristo quando produziu o livro em questão. Essa leitura posterior cristã que afirma que Isaías (consciente ou não) falava de Jesus Cristo não faz sentido.
               Não faz sentido por dois motivos: Em primeiro lugar, a ideia de “servo sofredor” contida no capítulo 53 de Isaías que descreve o mesmo como alguém em quem não se via beleza alguma e a quem ninguém deu crédito é totalmente diferente da ideia cristã posterior de “servo sofredor” produzida pela exegese cristã.
               Para o cristianismo posterior, que releu os textos de Isaías, o “servo sofredor” identifica-se também com o messias para os cristãos (Jesus Cristo). Entretanto, para o judaísmo, o messias sofredor não é o messias definitivo, mas apenas alguém que prepara o caminho para o messias final que restaurará todas as coisas no plano físico e espiritual.
               De acordo com a tradição exegética rabínica judaica, o messias sofredor não era o Messias, filho de Davi, mas apenas um precursor. Os judeus não aceitariam em hipótese alguma um messias que não acabasse com a guerra e a opressão, como foi o caso de Jesus Cristo que, apesar dos seus padecimentos, não transformou a ordem opressiva do mundo (Byron Sherwin).
               Portanto, quando o judaísmo (inclusive o autor do livro de Isaías) fala em um “servo sofredor” está se referindo a uma espécie de messias que com os seus sofrimentos abre o caminho para o Messias final, filho de Davi. Acredito que o cristianismo não estaria disposto a relegar Jesus Cristo a esta segunda categoria de messias não acham?
               Outra interpretação possível do texto de Isaías 53, aliás, uma interpretação com a qual simpatizo, é aquela que supõe que Isaías no capítulo em questão do seu livro estava se referindo a ele mesmo e aos seus sofrimentos decorrentes da incompreensão dos seus contemporâneos. Isso mesmo, Isaías falava de si e não de outro!
               Aliás, ao que tudo indica, é essa a primeira impressão que qualquer pessoa tem ao ler o capítulo 53 do livro de Isaías. Foi essa a interpretação feita pelo eunuco citado no livro dos Atos dos apóstolos que voltava de Jerusalém depois de ter ido assistir as cerimônias no templo (Atos 8:34).
               Talvez você esteja pensando agora: “o eunuco e também o autor desse blog não entenderam o sentido do texto porque não são convertidos”. Essa afirmação pressupõe que alguém para entender a Bíblia precisa ser “iluminado” depois de passar por alguma espécie de conversão que a igreja atribui sabe-se lá a quê.
               Ouso dizer que qualquer pessoa que se propuser a ler a Bíblia de coração aberto e isento de preconceitos vai ver neste texto exatamente o que o eunuco (e o autor do blog também) viu nele, ou seja, que Isaías falava de si. Quanto a não ser convertido, eu pergunto: convertido a quê? As doutrinas da igreja? Aos sermões do pastor?
               Qualquer um que lesse esse texto não poderia ver outra coisa nele senão que Isaías falava de si mesmo. Se você for sincero, porém, admitirá que só passou a ver nesse texto o servo sofredor (na visão cristã = Jesus Cristo), depois que foi instruído dessa forma dentro da igreja.
               Naturalmente o versículo 35 (Atos 8:35) que diz que o evangelista Felipe a partir dessa parte das escrituras anunciou a Jesus é um acréscimo posterior ao texto do livro de Atos, uma vez que essa interpretação não era corrente no meio judaico onde nasceu o cristianismo. Pelo visto, interpretações cristológicas do AT não é novidade!
               Endossa o que estou dizendo o fato de que aquele que escreve o capítulo 53 do livro de Isaías começa o texto perguntando retoricamente: “Quem deu crédito a nossa pregação? E a quem se manifestou o braço do Senhor?” Eis uma típica indagação de um profeta desiludido que parece entristecido por não ter sido escutado por aqueles a quem foi enviado.
               Isaías está triste, decepcionado, achando que trabalhou em vão e não foi compreendido por um povo obstinado e entorpecido pelo seu próprio egoísmo. Por isso continua o profeta: “era desprezado e o mais indigno entre os homens” (Isaías 53:3); é patente a decepção do profeta diante do povo que não o escuta e o despreza.
               Em suma: a exegese cristã feita pela igreja dos textos do Antigo Testamento produziram muitos equívocos, entre eles essa obcessão por cristianizar todas as coisas e ver Cristo onde ele não está, ou seja, no Antigo Testamento. Há inclusive quem cometa a leviandade de afirmar que a noiva citada no livro de Cantares é a própria igreja cristã!
               O Novo Testamento tem vida própria e não precisa do Antigo Testamento para ter valor, fato que até mesmo os escritores dos evangelhos, como bons judeus, ignoraram e que a igreja atual continua ignorando. A leitura cristológica do AT só tem servido para criar mitos que só serão desfeitos com muita dificuldade!
                                                                                                                                     André Pessoa
              
                 
                

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