OS CANDIDATOS AO CÉU
Friedrich
Schleiermacher foi considerado o mais importante teólogo do século XIX. Alguns
o chamam de pai da hermenêutica moderna, outros de teólogo romântico, inimigo
da ortodoxia e há, é claro, aqueles que lhe definem como teólogo liberal, destruidor
da fé convencional e inimigo da ortodoxia.
Quanto
a mim, tenho descoberto na leitura de Schleiermacher alguns princípios
teológicos que acredito deveriam ser obrigatórios na teoria e na prática
religiosa e eclesiástica desse início de século XXI. O nosso erudito teólogo
alemão do século XIX, analisando a religião do seu tempo parecia estar falando dos
nossos dias.
Além
da sua ênfase em uma religião que contempla a humanidade como parte
constitutiva do universo e focaliza a intuição e o sentimento subjetivo capaz
de apreender o transcendente em todas as coisas, interessa-me também a sua
opinião acerca daqueles que aspiram à imortalidade. Ou seja, os candidatos ao
céu!
Em
sua análise penetrante e inusitada, Schleiermacher afirma que o fundamento do
desejo daqueles que aspiram de forma enfática à eternidade é a aversão que eles
possuem ao que constitui a verdadeira meta da religião. Em suma: quem deseja
tão ardentemente os céus não passa de um mundano!
Diz
o nosso teólogo que o que aqueles que anseiam a vida eterna querem na verdade é
perpetuar uma existência miserável focada na eternidade de sua pessoa, isto é,
querem imortalizar os seus eus egoístas e miseráveis. Schleiermacher afirma
também que estes mesmos deveriam se angustiar mais pelo que têm sido do que pelo
que aspiram ser.
Ele
os aconselha a serem mais do que eles mesmos e só assim se perderão de si (dos
seus egos) e verdadeiramente se encontrarão no plano totalizante do universo. A
opinião de Schleiermacher sobre os “papas-céu” fez-me lembrar-se de outros
pensadores que parecem afirmar a mesma coisa com outras palavras.
Entre
esses pensadores contam-se Émile Durkheim e Max Weber, ambos viveram no mesmo
século do teólogo alemão, e compartilham uma opinião semelhante. Durkheim, por
exemplo, explica que a “morada celeste”, a ideia de uma “cidade celestial”,
nada mais é do que a projeção no sobrenatural da sociedade na qual vivemos e
nos realizamos.
Já
Max Weber afirma que a religião, em última instância, diz respeito não a coisas
espirituais, e sim a materialidade, uma vez que o homem busca a proteção de um deus
que lhe garanta coisas materiais como saúde, recursos financeiros, bens e etc.
Resumindo: O homem cultua a deus em troca daquilo que precisa.
Quando
li a opinião de Schleiermacher sobre o anseio de alguns pela imortalidade não
pude deixar de lembrar-me das figuras que simbolizam o céu e das descrições da
Jerusalém celestial que se encontram no livro do Apocalipse. É estranho como
nesse livro o céu está sempre relacionado aquilo que o homem tem na mais alta
conta em termos materiais.
Não
é sem motivo que a descrição da cidade celestial feita pelo apóstolo João no
livro do Apocalipse mostra a cidade eterna “semelhante
a uma pedra muito preciosa” (Apocalipse 21:11) e feita de “ouro puro” (Apocalipse 21:18). De
fato, este céu da tradição cristã com suas ruas de ouro é essencialmente
materialista!
Conheci
um “evangelista” que saía pelas ruas no domingo à tarde perguntando as pessoas
se elas queriam “aceitar Jesus para ir
morar no céu”. Quando alguém lhe perguntava o que havia no céu para que
alguém desejasse morar lá, ele dizia: “ruas
de ouro, ausência de doença, de guerra e de dor”, resumindo: riqueza
material e tranquilidade!
Nessa
perspectiva o céu é uma espécie de condomínio fechado e opulento desses que agente
encontra em bairros granfinos e nos quais impera a riqueza e a tranquilidade
proporcionada por seguranças bem armados; que não são anjos, mas quebram o
galho. O cristianismo está enterrado até o pescoço no mundo e não sabe!
Comungando
com o pensamento de Schleiermacher eu diria: eternidade para quê? O que de bom
a cristandade tem produzido que mereça perpetuar-se por toda a eternidade? Por
trás desse anseio quase doentio pela vida eterna, na verdade subjaz uma egoísta
ânsia de ver perpetuado o ego que na grande maioria das pessoas pouco ou nada tem
a ver com Deus.
André
Pessoa
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