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quinta-feira, 24 de janeiro de 2013


OS CANDIDATOS AO CÉU

              
               Friedrich Schleiermacher foi considerado o mais importante teólogo do século XIX. Alguns o chamam de pai da hermenêutica moderna, outros de teólogo romântico, inimigo da ortodoxia e há, é claro, aqueles que lhe definem como teólogo liberal, destruidor da fé convencional e inimigo da ortodoxia.
           Quanto a mim, tenho descoberto na leitura de Schleiermacher alguns princípios teológicos que acredito deveriam ser obrigatórios na teoria e na prática religiosa e eclesiástica desse início de século XXI. O nosso erudito teólogo alemão do século XIX, analisando a religião do seu tempo parecia estar falando dos nossos dias.
               Além da sua ênfase em uma religião que contempla a humanidade como parte constitutiva do universo e focaliza a intuição e o sentimento subjetivo capaz de apreender o transcendente em todas as coisas, interessa-me também a sua opinião acerca daqueles que aspiram à imortalidade. Ou seja, os candidatos ao céu!
               Em sua análise penetrante e inusitada, Schleiermacher afirma que o fundamento do desejo daqueles que aspiram de forma enfática à eternidade é a aversão que eles possuem ao que constitui a verdadeira meta da religião. Em suma: quem deseja tão ardentemente os céus não passa de um mundano!
               Diz o nosso teólogo que o que aqueles que anseiam a vida eterna querem na verdade é perpetuar uma existência miserável focada na eternidade de sua pessoa, isto é, querem imortalizar os seus eus egoístas e miseráveis. Schleiermacher afirma também que estes mesmos deveriam se angustiar mais pelo que têm sido do que pelo que aspiram ser.
               Ele os aconselha a serem mais do que eles mesmos e só assim se perderão de si (dos seus egos) e verdadeiramente se encontrarão no plano totalizante do universo. A opinião de Schleiermacher sobre os “papas-céu” fez-me lembrar-se de outros pensadores que parecem afirmar a mesma coisa com outras palavras.
               Entre esses pensadores contam-se Émile Durkheim e Max Weber, ambos viveram no mesmo século do teólogo alemão, e compartilham uma opinião semelhante. Durkheim, por exemplo, explica que a “morada celeste”, a ideia de uma “cidade celestial”, nada mais é do que a projeção no sobrenatural da sociedade na qual vivemos e nos realizamos.
               Já Max Weber afirma que a religião, em última instância, diz respeito não a coisas espirituais, e sim a materialidade, uma vez que o homem busca a proteção de um deus que lhe garanta coisas materiais como saúde, recursos financeiros, bens e etc. Resumindo: O homem cultua a deus em troca daquilo que precisa.
               Quando li a opinião de Schleiermacher sobre o anseio de alguns pela imortalidade não pude deixar de lembrar-me das figuras que simbolizam o céu e das descrições da Jerusalém celestial que se encontram no livro do Apocalipse. É estranho como nesse livro o céu está sempre relacionado aquilo que o homem tem na mais alta conta em termos materiais.
               Não é sem motivo que a descrição da cidade celestial feita pelo apóstolo João no livro do Apocalipse mostra a cidade eterna “semelhante a uma pedra muito preciosa” (Apocalipse 21:11) e feita de “ouro puro” (Apocalipse 21:18). De fato, este céu da tradição cristã com suas ruas de ouro é essencialmente materialista!
               Conheci um “evangelista” que saía pelas ruas no domingo à tarde perguntando as pessoas se elas queriam “aceitar Jesus para ir morar no céu”. Quando alguém lhe perguntava o que havia no céu para que alguém desejasse morar lá, ele dizia: “ruas de ouro, ausência de doença, de guerra e de dor”, resumindo: riqueza material e tranquilidade!
               Nessa perspectiva o céu é uma espécie de condomínio fechado e opulento desses que agente encontra em bairros granfinos e nos quais impera a riqueza e a tranquilidade proporcionada por seguranças bem armados; que não são anjos, mas quebram o galho. O cristianismo está enterrado até o pescoço no mundo e não sabe!
               Comungando com o pensamento de Schleiermacher eu diria: eternidade para quê? O que de bom a cristandade tem produzido que mereça perpetuar-se por toda a eternidade? Por trás desse anseio quase doentio pela vida eterna, na verdade subjaz uma egoísta ânsia de ver perpetuado o ego que na grande maioria das pessoas pouco ou nada tem a ver com Deus.
                                                                                                                                     André Pessoa
              
              
               

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