A BÍBLIA A SERVIÇO DAS IGREJAS
No
livro Jesus segundo o judaísmo,
Michael J. Cook, afirma que os autores dos evangelhos se curvaram às pressões
do seu tempo quando compuseram as narrativas acerca do julgamento de Jesus. Segundo
esse erudito, os autores do Novo Testamento, pressionados por Roma, lançaram a
culpa da morte de Jesus sobre os judeus e inocentaram Pilatos.
Ainda
segundo o referido ensaísta, Jesus foi um judeu que não estabeleceu nenhuma nova
religião e que o cristianismo foi um movimento ulterior que atribuiu
retrospectivamente a ele a sua origem, além de ter sido influenciado pelo
antissemitismo do apóstolo Paulo. Para esse autor, portanto, o Cristo dos
evangelhos é uma criação da igreja posterior a Jesus.
Eu
não vou aqui nesse breve texto tentar justificar a afirmação de Michael J. Cook
e nem tentar contestá-la; não é esse o meu propósito nestas linhas que agora
escrevo. Não quero discutir aqui se os textos dos evangelhos são construções
teológicas e ideológicas posteriores da igreja cristã ou documentos fidedignos.
Entretanto,
apesar de não estar disposto a discutir estas questões hermenêuticas e
exegéticas tão controversas, que já não me atraem tanto, é preciso dizer
algumas coisas. Em primeiro lugar, cristãos e não cristãos devem saber que a
Bíblia (me refiro às suas muitas versões) sempre foi e continua sendo usada
para fins institucionais.
As
igrejas cristãs, sejam elas católicas ou evangélicas, utilizam as versões da
Bíblia que endossam os seus pontos de vista e as suas pretensões ideológicas e
doutrinárias. Portanto, se você é cristão, não incorra em equívocos ao dizer
que as Bíblias católicas e protestantes são iguais, pois não são, pelo
contrário, são bem diferentes.
Eu
não estou me referindo aqui apenas aos sete livros que o cânon católico contém
a mais que a Bíblia protestante no Antigo Testamento, entre eles Macabeus,
Baruc e Judite que os católicos chamam de deuterocanônicos e os protestantes de
apócrifos. Não se trata apenas da diferente coleção de livros de cada Bíblia,
mas do sentido dos textos contidos nelas.
Basta
ler os evangelhos na versão da edição revista e corrigida de João Ferreira de
Almeida (usada largamente pelos evangélicos) e compará-los com a versão dos
monges de maredsous, traduzida pelo Centro Bíblico Católico, revista e editada pela editora Ave-Maria
(utilizada pelos fiéis católicos). São livros totalmente diferentes!
Por
exemplo, na versão de João Ferreira de Almeida (evangélicos), no capítulo 3,
referente ao aparecimento do profeta João Batista diz: “Naqueles dias, apareceu João Batista pregando no deserto da Judéia e
dizendo: arrependei-vos porque é chegado o reino dos céus” (Matheus
3: 1-2). Nessa versão, João conclama os seus contemporâneos ao arrependimento
dos pecados por causa da proximidade do reino e do juízo de Deus.
Contudo,
se o mesmo texto for lido na Bíblia católica referida acima, as palavras usadas
mudam totalmente de sentido. A Bíblia católica diz: “Naqueles dias, apareceu João Batista, pregando no deserto da Judéia.
Dizia ele: Fazei penitência porque está próximo o Reino dos Céus”
(Matheu 3:1-2).
Confesso
que eu não gostaria de ser um crente ou um cristão católico nesse momento de
indecisão e encruzilhada teológica. Afinal de contas, os ouvintes de João, o
batista, deveriam se arrepender (versão evangélica) ou fazer penitência (versão
católica)?. E não me venha com essa de dizer que os dois termos falam da mesma
coisa!
Arrepender-se e fazer penitência são duas práticas que, embora ligadas, são
totalmente distintas. Talvez nesse momento de aporia teológica, um católico
praticante e averso ao protestantismo diria que a Bíblia protestante é falsa; um
evangélico fervoroso também diria o mesmo da versão católica que recomenda a
penitência.
Claro
que cada uma dessas duas igrejas cristãs (católica e evangélica) adota a versão que mais se coaduna com as suas
práticas e interesses. Para as igrejas evangélicas que enfatizam a pregação do
“arrependimento para ir morar no céu”, a versão de João Ferreira de Almeida é
mais adequada à tarefa de evangelização.
Já
para a igreja católica, preocupada com as suas práticas fundamentadas nas boas
obras e nos sacramentos, é mais interessante falar em “fazer penitência”. Ou
seja, existem versões para todos os gostos e finalidades, para todas as
confissões religiosas e as práticas decorrentes das mesmas!
Outro
exemplo: No capítulo 6 do mesmo evangelho de Matheus, ao ensinar o Pai-Nosso
aos seus discípulos, segundo a versão de João Ferreira de Almeida (evangélica),
Jesus diz: “Portanto, vós orareis
assim: Pai nosso, que estais no céu...” (Matheus 6:9). Já a versão
do Centro Bíblico Católico diz: “Eis como
deveis rezar: PAI NOSSO, que estás no céu...” (Matheus 6:9). Perceberam
a diferença?
A
versão “evangélica” de João Ferreira de Almeida diz que Jesus conclamou os seus
discípulos a orar (“orareis assim”),
já a Bíblia “católica”, do Centro Bíblico Católico, ensina que Jesus chamou os
seus seguidores a rezar (“Eis como deveis
rezar”). Além disso, a versão católica, por motivos óbvios, destaca a
expressão pai nosso em letras maiúsculas (PAI NOSSO).
E
então, já decidiu com quem está a verdade? Já escolheu se no domingo vai à
missa ou ao culto? Além destas passagens que foram aqui mostradas, existem
muitas outras que contém leituras variantes que servem aos propósitos das mais
diversas instituições religiosas cristãs. A Bíblia é aquilo que as igrejas
querem que ela seja!
Se
considerarmos que a maioria das pessoas que leem a Bíblia fazem interpretações
literais e fundamentalistas da mesma, é possível também afirmar que, dependendo
da versão lida, uma pessoa pode se tornar evangélica ou católica. Portanto, não
é Deus que “converte”, mas a versão lida da Bíblia.
Talvez
o melhor caminho para superar essas querelas doutrinárias que se propagam nas
versões da Bíblia e desprezar essa luta medíocre e mercadológica das igrejas
pelos prosélitos, seja pensar na Bíblia como um livro de princípios, e não como
um código legal e doutrinário. Mataram Deus (Nietzsche), e usaram a Bíblia como
arma.
André Pessoa
Mesmo já tendo lido essa postagem a mais tempo, voltei para ler novamente. O motivo pelo qual fiz isso, foi uma conversa que eu tive com uma amiga minha ontem. Sou católico e ela evangélica, chegamos nesses empasses e eu decidi me calar. Não adianta discutir com as pessoas sobre esse tema, geralmente elas estão tão tomadas por esse sentimento religioso, que não querem ver o verdadeiro sentido de Cristo Jesus. Acreditam cegamente no que ouve dentro de suas igrejas, preferem bloquear o senso crítico e aceitar tudo que seus líderes "impõem". Acredito que Jesus Cristo é bem mais do que um culto ou uma missa, aliás, Ele é bem mais que o próprio mundo.
ResponderExcluir