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quinta-feira, 17 de janeiro de 2013


A BÍBLIA A SERVIÇO DAS IGREJAS



               No livro Jesus segundo o judaísmo, Michael J. Cook, afirma que os autores dos evangelhos se curvaram às pressões do seu tempo quando compuseram as narrativas acerca do julgamento de Jesus. Segundo esse erudito, os autores do Novo Testamento, pressionados por Roma, lançaram a culpa da morte de Jesus sobre os judeus e inocentaram Pilatos.
               Ainda segundo o referido ensaísta, Jesus foi um judeu que não estabeleceu nenhuma nova religião e que o cristianismo foi um movimento ulterior que atribuiu retrospectivamente a ele a sua origem, além de ter sido influenciado pelo antissemitismo do apóstolo Paulo. Para esse autor, portanto, o Cristo dos evangelhos é uma criação da igreja posterior a Jesus.
               Eu não vou aqui nesse breve texto tentar justificar a afirmação de Michael J. Cook e nem tentar contestá-la; não é esse o meu propósito nestas linhas que agora escrevo. Não quero discutir aqui se os textos dos evangelhos são construções teológicas e ideológicas posteriores da igreja cristã ou documentos fidedignos.
               Entretanto, apesar de não estar disposto a discutir estas questões hermenêuticas e exegéticas tão controversas, que já não me atraem tanto, é preciso dizer algumas coisas. Em primeiro lugar, cristãos e não cristãos devem saber que a Bíblia (me refiro às suas muitas versões) sempre foi e continua sendo usada para fins institucionais.
               As igrejas cristãs, sejam elas católicas ou evangélicas, utilizam as versões da Bíblia que endossam os seus pontos de vista e as suas pretensões ideológicas e doutrinárias. Portanto, se você é cristão, não incorra em equívocos ao dizer que as Bíblias católicas e protestantes são iguais, pois não são, pelo contrário, são bem diferentes.
               Eu não estou me referindo aqui apenas aos sete livros que o cânon católico contém a mais que a Bíblia protestante no Antigo Testamento, entre eles Macabeus, Baruc e Judite que os católicos chamam de deuterocanônicos e os protestantes de apócrifos. Não se trata apenas da diferente coleção de livros de cada Bíblia, mas do sentido dos textos contidos nelas.
               Basta ler os evangelhos na versão da edição revista e corrigida de João Ferreira de Almeida (usada largamente pelos evangélicos) e compará-los com a versão dos monges de maredsous, traduzida pelo Centro Bíblico Católico, revista e editada pela editora Ave-Maria (utilizada pelos fiéis católicos). São livros totalmente diferentes!
               Por exemplo, na versão de João Ferreira de Almeida (evangélicos), no capítulo 3, referente ao aparecimento do profeta João Batista diz: “Naqueles dias, apareceu João Batista pregando no deserto da Judéia e dizendo: arrependei-vos porque é chegado o reino dos céus” (Matheus 3: 1-2). Nessa versão, João conclama os seus contemporâneos ao arrependimento dos pecados por causa da proximidade do reino e do juízo de Deus.
               Contudo, se o mesmo texto for lido na Bíblia católica referida acima, as palavras usadas mudam totalmente de sentido. A Bíblia católica diz: “Naqueles dias, apareceu João Batista, pregando no deserto da Judéia. Dizia ele: Fazei penitência porque está próximo o Reino dos Céus” (Matheu 3:1-2).  
               Confesso que eu não gostaria de ser um crente ou um cristão católico nesse momento de indecisão e encruzilhada teológica. Afinal de contas, os ouvintes de João, o batista, deveriam se arrepender (versão evangélica) ou fazer penitência (versão católica)?. E não me venha com essa de dizer que os dois termos falam da mesma coisa!
               Arrepender-se e fazer penitência são duas práticas que, embora ligadas, são totalmente distintas. Talvez nesse momento de aporia teológica, um católico praticante e averso ao protestantismo diria que a Bíblia protestante é falsa; um evangélico fervoroso também diria o mesmo da versão católica que recomenda a penitência.
               Claro que cada uma dessas duas igrejas cristãs (católica e evangélica) adota  a versão que mais se coaduna com as suas práticas e interesses. Para as igrejas evangélicas que enfatizam a pregação do “arrependimento para ir morar no céu”, a versão de João Ferreira de Almeida é mais adequada à tarefa de evangelização.
               Já para a igreja católica, preocupada com as suas práticas fundamentadas nas boas obras e nos sacramentos, é mais interessante falar em “fazer penitência”. Ou seja, existem versões para todos os gostos e finalidades, para todas as confissões religiosas e as práticas decorrentes das mesmas!
               Outro exemplo: No capítulo 6 do mesmo evangelho de Matheus, ao ensinar o Pai-Nosso aos seus discípulos, segundo a versão de João Ferreira de Almeida (evangélica), Jesus diz: “Portanto, vós orareis assim: Pai nosso, que estais no céu...” (Matheus 6:9). Já a versão do Centro Bíblico Católico diz: “Eis como deveis rezar: PAI NOSSO, que estás no céu...” (Matheus 6:9). Perceberam a diferença?
               A versão “evangélica” de João Ferreira de Almeida diz que Jesus conclamou os seus discípulos a orar (“orareis assim”), já a Bíblia “católica”, do Centro Bíblico Católico, ensina que Jesus chamou os seus seguidores a rezar (“Eis como deveis rezar”). Além disso, a versão católica, por motivos óbvios, destaca a expressão pai nosso em letras maiúsculas (PAI NOSSO).
               E então, já decidiu com quem está a verdade? Já escolheu se no domingo vai à missa ou ao culto? Além destas passagens que foram aqui mostradas, existem muitas outras que contém leituras variantes que servem aos propósitos das mais diversas instituições religiosas cristãs. A Bíblia é aquilo que as igrejas querem que ela seja!
               Se considerarmos que a maioria das pessoas que leem a Bíblia fazem interpretações literais e fundamentalistas da mesma, é possível também afirmar que, dependendo da versão lida, uma pessoa pode se tornar evangélica ou católica. Portanto, não é Deus que “converte”, mas a versão lida da Bíblia.
               Talvez o melhor caminho para superar essas querelas doutrinárias que se propagam nas versões da Bíblia e desprezar essa luta medíocre e mercadológica das igrejas pelos prosélitos, seja pensar na Bíblia como um livro de princípios, e não como um código legal e doutrinário. Mataram Deus (Nietzsche), e usaram a Bíblia como arma.
                                                                                                       André Pessoa

               

Um comentário:

  1. Jonathan Otílio Silva9 de março de 2013 às 08:11

    Mesmo já tendo lido essa postagem a mais tempo, voltei para ler novamente. O motivo pelo qual fiz isso, foi uma conversa que eu tive com uma amiga minha ontem. Sou católico e ela evangélica, chegamos nesses empasses e eu decidi me calar. Não adianta discutir com as pessoas sobre esse tema, geralmente elas estão tão tomadas por esse sentimento religioso, que não querem ver o verdadeiro sentido de Cristo Jesus. Acreditam cegamente no que ouve dentro de suas igrejas, preferem bloquear o senso crítico e aceitar tudo que seus líderes "impõem". Acredito que Jesus Cristo é bem mais do que um culto ou uma missa, aliás, Ele é bem mais que o próprio mundo.

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