A TRAGÉDIA EM SANTA MARIA
No
momento em que escrevo este texto o número de mortos já chega a 245, em
decorrência de um incêndio em uma boate em Santa Maria, Rio Grande do Sul.
Embora eu esteja comovido com o sofrimento dos familiares das vítimas, uma
pergunta me inquieta neste exato momento: até quando o descaso das autoridades
e o egoísmo das pessoas continuarão a matar indiscriminadamente?
Engana-se
quem supõe que foi o fogo ou a asfixia provocada pela fumaça que fez esse
número nunca visto antes de vítimas fatais em uma tragédia desse tipo em nosso
país. O fogo e a fumaça não mataram
ninguém. Foi o encontro tenebroso do descaso, do egoísmo e da fatalidade que
deixaram essa multidão de mortos!
Uma
boate funcionando sem alvará, instalações inadequadas, portas hermeticamente fechadas,
número insuficiente de saídas de emergência, atos inconsequentes, sede de
ganhar dinheiro e autoridades irresponsáveis, eis aí os causadores dessa tragédia.
Quando todos esses fatores se encontram o resultado não pode ser outro.
Esse
tipo de tragédia sempre me faz lembrar o título de uma importante obra de
Gabriel García Marquez: “Crônica de uma
morte anunciada”. É preciso entender que as coisas não acontecem
simplesmente do nada, mas elas vão se desenhando, tomando forma, assumindo contornos, acontecendo, até
acontecer.
Há sempre por
trás desse tipo de acontecimento trágico, um lento, silencioso e mortífero
processo que vai se desenrolando e se arrastando como um verme até provocar as
tragédias. O incêndio que tirou a vida desses jovens cheios de sonhos não
ocorreu na madrugada desse domingo, mas ele começou bem antes disso.
Esse incêndio
e essa tragédia começaram quando foi permitido, sabe-se lá porque, que essa
boate continuasse funcionando mesmo não tendo condições de funcionamento. O
início dessa tragédia ocorreu quando as autoridades que deveriam fiscalizar com
rigor não fizeram a sua parte e expuseram os cidadãos a esse acontecimento
macabro.
Além da
negligência das autoridades, há o componente da insensatez de pessoas que não
medem a consequência dos seus atos, sobretudo, quando estão mergulhadas até o
pescoço em momentos de euforia. Não me refiro aqui apenas, a atitude individual
que teria, segundo testemunhas, provocado incêndio, mas a nossa própria
irracionalidade em tais momentos.
Embora eu seja
por vezes chamado de “neurótico”, “preocupado demais” e outras coisas do
gênero, procuro sempre analisar as condições dos lugares onde estou; se esses
locais me proporcionam segurança ou não. Não penso duas vezes antes de me
retirar de qualquer ambiente que, segundo a minha análise, não obedeça a regras
de segurança e me ofereçam risco de vida.
Por trás dessa
tragédia sem precedentes na história do nosso país, também está uma “cultura do
erro”, a inclinação que nos é peculiar a não obedecer a regras, respeitar
limites, cumprir determinações e seguir as leis. O Brasil é um caos quando o
assunto é ordem e cumprimento de responsabilidades individuais e coletivas.
Hoje pela
manhã, exatamente no mesmo momento em que dirigia o meu carro e ouvia no rádio
as notícias da tragédia em Santa Maria, fui observando ao longo do trajeto que
eu fazia como tudo está errado. Em um percurso de pouco mais de cinco
quilômetros eu percebi e testemunhei
um sem número de coisas absurdas.
Vi ônibus
parando no meio da pista para apanhar passageiros, carros ultrapassando em
local proibido, veículos transitando em alta velocidade pelo acostamento,
pessoas jogando lixo no chão e muito mais. O que esperar de um país no qual se
tornou normal fazer tudo errado sem que ninguém seja punido?
A tragédia da
boate Kiss em Santa Maria não é apenas das famílias enlutadas que agora choram
sem nenhum consolo as vítimas desse acontecimento perverso e maldito. A
tragédia na verdade é minha e sua, é a tragédia de um país cambaleante e corrompido
que não sabe bem para onde está indo!
Essa é a
tragédia do país dos milhões desviados, dos políticos corruptos e cínicos, da
educação caótica, das leis que só existem no papel. Se é que isso pode servir
de consolo às famílias enlutadas de Santa Maria, eu quero convidar todo o Brasil
a ficar de luto, pois essa é a nossa tragédia, é a tragédia da nação que tinha
tudo para ser grande, mas permanece pequena!
André Pessoa
Não me nego em pensar da mesma forma, o descaso está iminente em memórias que esquecem do mesmo amor que sentem uns pelos outros, suas palavras são verdadeiras e o que de fato me preocupa é; até quando iremos descrever o que sentimos se muitos não querem aceitar a justa e cruel verdade.
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