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domingo, 27 de janeiro de 2013


A TRAGÉDIA EM SANTA MARIA




               No momento em que escrevo este texto o número de mortos já chega a 245, em decorrência de um incêndio em uma boate em Santa Maria, Rio Grande do Sul. Embora eu esteja comovido com o sofrimento dos familiares das vítimas, uma pergunta me inquieta neste exato momento: até quando o descaso das autoridades e o egoísmo das pessoas continuarão a matar indiscriminadamente?
               Engana-se quem supõe que foi o fogo ou a asfixia provocada pela fumaça que fez esse número nunca visto antes de vítimas fatais em uma tragédia desse tipo em nosso país. O fogo  e a fumaça não mataram ninguém. Foi o encontro tenebroso do descaso, do egoísmo e da fatalidade que deixaram essa multidão de mortos!
               Uma boate funcionando sem alvará, instalações inadequadas, portas hermeticamente fechadas, número insuficiente de saídas de emergência, atos inconsequentes, sede de ganhar dinheiro e autoridades irresponsáveis, eis aí os causadores dessa tragédia. Quando todos esses fatores se encontram o resultado não pode ser outro.
               Esse tipo de tragédia sempre me faz lembrar o título de uma importante obra de Gabriel García Marquez: “Crônica de uma morte anunciada”. É preciso entender que as coisas não acontecem simplesmente do nada, mas elas vão se desenhando, tomando forma,  assumindo contornos, acontecendo, até acontecer.
Há sempre por trás desse tipo de acontecimento trágico, um lento, silencioso e mortífero processo que vai se desenrolando e se arrastando como um verme até provocar as tragédias. O incêndio que tirou a vida desses jovens cheios de sonhos não ocorreu na madrugada desse domingo, mas ele começou bem antes disso.
Esse incêndio e essa tragédia começaram quando foi permitido, sabe-se lá porque, que essa boate continuasse funcionando mesmo não tendo condições de funcionamento. O início dessa tragédia ocorreu quando as autoridades que deveriam fiscalizar com rigor não fizeram a sua parte e expuseram os cidadãos a esse acontecimento macabro.
Além da negligência das autoridades, há o componente da insensatez de pessoas que não medem a consequência dos seus atos, sobretudo, quando estão mergulhadas até o pescoço em momentos de euforia. Não me refiro aqui apenas, a atitude individual que teria, segundo testemunhas, provocado incêndio, mas a nossa própria irracionalidade em tais momentos.
Embora eu seja por vezes chamado de “neurótico”, “preocupado demais” e outras coisas do gênero, procuro sempre analisar as condições dos lugares onde estou; se esses locais me proporcionam segurança ou não. Não penso duas vezes antes de me retirar de qualquer ambiente que, segundo a minha análise, não obedeça a regras de segurança e me ofereçam risco de vida.
Por trás dessa tragédia sem precedentes na história do nosso país, também está uma “cultura do erro”, a inclinação que nos é peculiar a não obedecer a regras, respeitar limites, cumprir determinações e seguir as leis. O Brasil é um caos quando o assunto é ordem e cumprimento de responsabilidades individuais e coletivas.
Hoje pela manhã, exatamente no mesmo momento em que dirigia o meu carro e ouvia no rádio as notícias da tragédia em Santa Maria, fui observando ao longo do trajeto que eu fazia como tudo está errado. Em um percurso de pouco mais de cinco quilômetros eu percebi e testemunhei um sem número de coisas absurdas.
Vi ônibus parando no meio da pista para apanhar passageiros, carros ultrapassando em local proibido, veículos transitando em alta velocidade pelo acostamento, pessoas jogando lixo no chão e muito mais. O que esperar de um país no qual se tornou normal fazer tudo errado sem que ninguém seja punido?
A tragédia da boate Kiss em Santa Maria não é apenas das famílias enlutadas que agora choram sem nenhum consolo as vítimas desse acontecimento perverso e maldito. A tragédia na verdade é minha e sua, é a tragédia de um país cambaleante e corrompido que não sabe bem para onde está indo!
Essa é a tragédia do país dos milhões desviados, dos políticos corruptos e cínicos, da educação caótica, das leis que só existem no papel. Se é que isso pode servir de consolo às famílias enlutadas de Santa Maria, eu quero convidar todo o Brasil a ficar de luto, pois essa é a nossa tragédia, é a tragédia da nação que tinha tudo para ser grande, mas permanece pequena!

                                                                                                        André Pessoa



Um comentário:

  1. Não me nego em pensar da mesma forma, o descaso está iminente em memórias que esquecem do mesmo amor que sentem uns pelos outros, suas palavras são verdadeiras e o que de fato me preocupa é; até quando iremos descrever o que sentimos se muitos não querem aceitar a justa e cruel verdade.

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