OUTRA COISA
Escrevo porque a minha natural solidão e as idéias que em mim borbulham não encontram com muita freqüência igual humano em quem se amparar. Penso só.
Embora eu saiba da importância que as pessoas possuem, converso sempre com os livros ou, sem palavras, com o meu cachorro. Ele me entende, ou pelo menos me ouve atentamente.
Cada vez que saio, ainda que por breves instantes, do turbilhão das minhas obrigações cotidianas percebo que me falta algo (e não me venha com frases feitas e vazias sobre isso). Há outra coisa por alcançar.
Sinto que estou travando uma grande luta comigo mesmo antes que o que está em mim venha definitivamente à tona. Algo está brotando e eu sou a estufa que há de gerar isso que eu não sei o que é.
Com certa freqüência, olho ao meu redor e sinto uma repulsa misturada com desprezo por tudo o que me cerca. Sinto-me em meio a uma lama na qual estou afundado até o pescoço e preciso sair.
Essa lama existencial é a mesmice, a rotina avassaladora, a repetição mecânica e medíocre dos atos que se julgam equivocadamente construtores da sociedade humana. Preciso embarcar em uma astronave e ir até marte dá uma olhadinha na terra lá de cima.
Há pouco sentido na vida que vivo agora e na maioria das coisas com as quais gasto o meu tempo. Tudo ao meu redor é uma grande ilusão da qual preciso me libertar.
Há outra coisa além dos limites que a minha vida civilizada me impõe. As pessoas, coisas e obrigações não devem se transformar em muralhas que tentam reter o meu avanço em direção ao futuro.
O egoísmo dos outros desperta o meu próprio egoísmo e assim vou perdendo o controle sobre mim e vivendo de atitude em atitude egoísta. Preciso continuar de onde parei, subir mais um degrau, ir um pouco mais adiante.
Há algo além de tudo o que faço e sinto e eu estou a caminho desse algo. Faltam apenas alguns obstáculos a serem vencidos, mas sei, como sei que existo, que já estive mais longe.
André Pessoa
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