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quarta-feira, 8 de setembro de 2010

JULIETTE



JULIETTE


Juliette era a terceira de quatro irmãs. Aos vinte e oito anos fazia parecer a todos que enfim encontrara o seu caminho e tornara-se feliz depois de anos de luta, intenso sofrimento e humilhação.
Todos admiravam o comportamento alegre, simpático e jovial da recém-formada em Direito pela melhor universidade do lugar onde morava. “Juliette é linda e feliz”, diziam os seus amigos unanimemente.
Aquela bela moça tinha um namorado honrado e honesto que todos diziam combinar com ela e ser ideal para dar-lhe aquilo que todo mulher precisa: segurança. De fato, tudo parecia correr muito bem!
A vida, porém, tal e qual grande e desconhecido oceano, possui as suas calmarias. As calmarias, entretanto, não devem ser confundidas com algo bom e sim a ausência de ventos que deixa os barcos a mercê das correntes que os carregam para espatifar-se nos rochedos.
À noite, no silêncio do seu quarto, ou de dia, quando em frente ao espelho, Juliette tremia por dentro e era assaltada e golpeada impiedosamente por antigos medos ancestrais. Só ela sabia sobre si o que ninguém mais sabia; só ela tinha conhecimento dos sombrios pensamentos que lhemassacravam o espírito e que ninguém julgava existir.
Ela não era nada do que parecia ser. Havia um recôndito, um lugar escuro na alma de Juliette do qual ninguém podia intuir a existência e que era a fonte de toda agonia que sentia embora dissimulada pela aparente felicidade. Assim como um quarto sujo, escuro e empoeirado que só ela possuía a chave era esse recanto de sua alma.
Ela sabia que naquele “quarto escuro” habitava um monstro que há qualquer momento poderia acordar e fazer-lhe muito mal. Sentia que algum dia, mais cedo ou mais tarde, provavelmente em um momento de aparente alegria, escorreria em grande enxurrada tudo o que dentro de si estava represado e dissimulado pelo seu sorriso amarelo.
Juliette fingia não ver o óbvio, brincava de esconde-esconde com o destino, camuflava-se por trás de uma vida supostamente feliz que nunca tinha tido verdadeiramente. Juliette era uma mentira ambulante, uma ilusão que andava de ônibus e ia ao supermercado.
Às vezes sorria um sorriso largo que a afastava de qualquer suspeita e que fazia com que apenas os espíritos mais bem treinados (aliás, escassos ao seu redor) conseguissem ver o poder das forças ocultas que operavam silenciosamente devastando o seu interior dia após dia.
Não percebia Juliette que estava sendo desconstruída, desmoronando lentamente. Todos os dias ela tinha que inventar novas máscaras para se proteger-se. Entregava-se a novas distrações, se dizia muito ocupada com tarefas ilusórias ou estudava de forma doentia pretextando estar cuidando do seu futuro. O destino, porém, ainda que em linguagem muda, “brincava com ela como faz um gato com um pássaro ferido”.
A última vez que vi Juliette ela estava pálida e prestes a desmaiar com o o namorado e uma amiga segurando-lhe as mãos brancas e delicadas enquanto uma terceira pessoa fora fora buscar um copo d’água com açúcar. Aquela forte, prendada, confiante e sensual garota de outrora começara a sucumbir numa manhã de segunda-feira.
Acabou não desmaiando, mas dentro dela algo estava aconteçendo; e o pior, estava acontecendo ali onde ninguém podia ver. E lá estava a doce Juliette mais uma vez sozinha, ela e a sua sombra, a sua sombra e ela.
André Pessoa

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