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quarta-feira, 7 de abril de 2010

ALICE



ALICE


As palavras estão vivas e vez por outra saltam dos livros e esmagam-nos o coração. Elas nos agarram, como fazem as pessoas.
Algumas expressões estão carregadas de dor, amargura, sofrimento e lembranças lancinantes de coisas que gostaríamos que não tivessem acontecido.
Em cada frase uma sentença, em cada imagem obtida metaforicamente um universo de significados que explode como um vulcão.
Li ontem uma frase num livro que me cortou o coração em mil pedaços, dilacerando-me a alma. Era o relato comovido de um pai a lembrar a morte violenta da filhinha a quem amava.
Falarei porque é preciso, mas ao fazê-lo, de novo, serei transportado para aquele cenário de dor e tristeza cortante e cruel.
Lembrando o episódio da morte da filhinha, o pai inconsolável fazia referência ao “vestidinho de Alice, com o desenho de um urso de braços abertos, coberto de sangue”.
Ah, como cada palavra dessa fala está impregnada de dor imensurável. Como é dura a linguagem da morte, as letras da tragédia. As palavras são receptáculos de todo o sofrimento humano.
Alice, a garotinha morta, não usava um vestido, mas um “vestidinho”. Aqui o diminutivo expressa a ternura do pai e a brevidade da vida, a existência cortada antes de florescer.
O “vestidinho” também nos remete a pouca idade, à pureza infantil, e à crueldade da morte que ceifa a vida de um inocente.
Posso ver, sim, posso ver nitidamente, o pai contemplando desfalecido o “vestidinho” que pertenceu, não a sua filha, mas a sua filhinha, e isso me dói no coração mais do que a morte de mil adultos.
Penso agora nos pais fazendo planos para a sua linda filhinha. Vislumbro a alegria deles ao verem-na andar pela primeira vez, sorridente, com os dentinhos alvos e separados a brilhar.
O “desenho de um urso de braços abertos” faz-me novamente sofrer. Penso na inocência da garotinha se divertindo com o desenho colorido estampado. Lembro da minha infância, da infância de todo mundo.
As estampas de ursinhos sorridentes sempre fazem as crianças igualmente sorrirem. Como contrasta “o urso de braços abertos” com as manchas de sangue cobrindo o vestidinho de Alice. Vida e morte parecem ser vizinhas!
O que é a vida? Respondam-me, por favor, se acaso puderem. Qual é o sentido dela? Perguntei depois de ler essa frase aterradora. Melhor não tentar entender, não buscar o sentido. Como compreenderíamos um mundo que mata crianças?

André Pessoa


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