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quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

O CULTO DO AMADOR



O CULTO DO AMADOR


Esta semana terminei de ler o livro intitulado “O culto do amador” escrito por Andrew Keen. O escritor é um empreendedor do Vale do Silício que nada contra a corrente e tece críticas a Web 2.0 e a forma como ela está afetando a indústria fonográfica, a mídia tradicional e até Wollywood.
Keen fala de sua experiência como uma espécie de conversão religiosa. Explica que antes fazia coro com os demais na hora de enaltecer o jornalismo cidadão (blogueiros, amadores do you tube etc.), a democratização da informação e a teia virtual, até que “os seus olhos foram abertos”.
A partir de então Keen, passou com muita facilidade de um extremo a outro, adotando uma espécie de fundamentalismo declarado anti-Web 2.0, e resolvendo trazer à luz todas as inconsistências da internet, como o amadorismo dos blogueiros e a pouca preparação dos jornalistas cidadãos.
Confesso que concordo com uma boa parte daquilo que Andrew Keen afirma em seu livro. Os excessos no mundo virtual são uma realidade, entretanto, percebo que o seu ponto de vista sobre a internet tem cheiro de ludismo, além de ser desprovido de bases argumentativas capazes de manter incólumes as suas opiniões sobre o mundo, a Web 2.0 e também sobre a mídia tradicional.
Keen é um homem inteligente, as citações que faz de Huxley, Hegel e outras “divindades” o demonstram. Contudo, os seus postulados se baseiam em duas falácias, a saber: a inerrância do discurso competente e a utópica crença de que a mídia tradicional só fala a verdade e é imparcial em todos os sentidos.
Ele afirma que a conseqüência real da revolução da Web 2.0 é menos cultura, menos informações confiáveis e um caos de informação inútil. Penso que Andrew Keen acredita em Papai Noel e em Capitão América, pois só alguém que acredita nestes dois personagens pode supor totalmente imparcial a mídia tradicional.
Sem precisar ir muito longe, alguém lembra do DIP da era Vargas? E da Carmem Miranda e do Zé Carioca? O primeiro, Departamento de Imprensa e Propaganda, foi criado para filtrar notícias e legitimar o Estado totalitário varguista e os dois últimos foram “presentes” americanos para o Brasil que na época flertava com o fascismo (imparcialidade e verdade absoluta não são coisas desse mundo caro Andrew Keen!).
Basta mudar de canal de TV e ouvir a mesma notícia em várias emissoras e logo você perceberá que a mídia tradicional não é tão imparcial como crê Andrew Keen. Além disso, Keen acredita que só aquilo que os especialistas afirmam sobre qualquer coisa possui valor de verdade.
Ele afirma que a diferença entre a mídia tradicional e a Web 2.0 é que a primeira possui uma equipe de editores profissionais e a segunda não. O problema é que os editores não são monges budistas indiferentes a tudo o que existe no mundo, mas pessoas comuns como quaisquer outras sujeitas às pressões da máquina ideológica que, segundo Karl Marx, disfarça os conflitos sociais.
Notícias manipuladas sempre existiram mesmo antes da Web 2.0. Keen se parece, ao tecer suas críticas a internet, com um operário inglês ludista do final do século XVIII e início do XIX que via os teares mecânicos como demônios a serem exorcizados (não é possível mais quebrar máquinas amigo!).
Acho que esqueceram de lhe dizer que o mundo e a tecnologia (e tudo o que provém dela) são como um grande e pesado rolo compressor! Eles esmagam tudo aquilo que se coloca no seu caminho sem nenhuma piedade, tanto pessoas como coisas.
Quanto à mídia tradicional ela deverá assumir novas formas, talvez até mude de nome, mas a comunicação não morrerá. Quem sabe a Web 2.0 não seja a parte do corpo da mídia que já foi transmutada (a metamorfose é lenta e dói, mas precisa ocorrer). Pense nas lindas borboletas multicoloridas que saem de casulos pegajosos e nojentos!
Hoje é Hollywwod que amarga os prejuízos financeiros, mas quando no final do século XIX começaram a ser produzidos os filmes com áudio, eram os artistas gestuais que ficavam sem emprego e chorando por um tempo de glória que estava indo embora pra nunca mais voltar.
Hoje é o Andrew Keen que desconfia, com razão, da internet, mas na década de 50 quando a televisão foi introduzida no Brasil por Chataoubriand, coincidentemente com material comprado dos EUA, as pessoas, tão desconfiadas como o Andrew Keen, acreditavam que não se deveriam praticar atos íntimos diante da TV, pois alguém podia ver do outro lado da tela. A tecnologia sempre assusta!
Quanto à indústria fonográfica, a substituição de vinis por cd`s também acabou desempregando muita gente, mas hoje em dia vinil é coisa apenas de colecionador e ninguém nostalgicamente abdicaria da qualidade de som de um cd e resolveria voltar ao uso do vinil que embalou as antigas festas de garagem das quais temos tanta saudade.
No que diz respeito aos conteúdos pornográficos da internet e a necessidade de legislar sobre eles para prevenir abusos isto não se discute. Contudo, uma censura castradora e reacionária também não interessa a ninguém nem no mundo virtual nem fora dele.
Enfim, sorria senhor Andrew Keen, pois nada está perdido! Apenas aceite o galope rápido do mundo contemporâneo que provoca vertigens e quebra paradigmas, afinal de contas, como observou Lênin durante a Revolução Russa de 1917: “Quem tem medo dos lobos não vai à floresta”.

André Pessoa

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