
VIVER A VIDA: COMO AS NOVELAS NÃO TERMINAM
Eu já posso ver a cena: Luciana emocionada e ansiosa diz a Miguel que terminou o seu relacionamento com Jorge.
O bom médico, apaixonado e dividido entre o amor de Luciana e o respeito pelo irmão, não resiste aos encantos da moça e os dois se beijam apaixonadamente.
Depois de uma enxurrada de declarações apaixonadas, o casal enternecido tem a primeira noite de amor, especialmente emocionante por causa da condição especial da garota. Talvez um filho resulte da noite idílica.
O amor não tem fronteiras, nem mesmo as físicas. Na cama, um momento sublime, um gozo puro e desprovido de qualquer sensualidade vulgar acontece enquanto a moça aperta o lençol entre os dedos exprimindo todo o seu prazer.
Tudo isso, é claro, regado por um fundo musical romântico e acompanhado passo a passo pela audiência global que projeta na linda estória de amor a felicidade que não tem.
Passada a tempestade, Jorge, o engenheiro abandonado pela garota que projeta no médico bonachão a sua recuperação, perdoa o irmão e reconhece que o mesmo pode ajudá-la mais do que ele mesmo faria.
No final romântico, o amor vence a doença e o médico perfeito e perdidamente apaixonado se dispõe a cuidar da esposa pelo resto de sua vida, independente de quanto isto irá lhe custar.
Eis aí o final mítico que provavelmente a estória terá. Na vida real, entretanto, tudo aconteceria diferente. Seria mais ou menos assim.
Jorge não aceitaria a separação porque o seu orgulho ferido não admitiria ser traído e abandonado por uma garota com necessidades especiais, expressão que ele trocaria por “deficiente” nos momentos de raiva.
Quanto ao relacionamento entre Miguel e Luciana, com o tempo esfriaria e se tornaria inconsistente, pois o médico bonitão, assediado por outras mulheres no trabalho, começaria a questionar se amava de fato a moça a ponto de sacrificar-se pelo resto da vida ao lado de uma mulher portadora de uma grave deficiência física.
Miguel abandonaria Luciana depois de algumas noites de sexo. Ela, depressiva, se entregaria a uma amargura progressiva que a levaria a tornar-se uma pessoa frustrada e ácida.
Arrependida, talvez a garota tentasse reatar o relacionamento com o antigo namorado que a essas alturas já estaria namorando uma linda arquiteta em perfeitas condições físicas dando o troco a ex-namorada vingativamente.
Como se vê na vida real as coisas não são tão perfeitas. As pessoas, entretanto, precisam das ilusões e dos contos de fadas, afinal de contas não suportariam ver também na televisão aquilo que já experimentam no dia-a-dia.
André Pessoa
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