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domingo, 3 de janeiro de 2010

ENTREVISTA COM A MORTE



ENTREVISTA COM A MORTE



Houve um período da minha vida em que a morte se tornou minha íntima companheira.
Não sei se posso dizer que era minha amiga, mas uma coisa eu sei: ela quis se mostrar a mim.
Ela chegava todos os dias sorrateiramente, sobretudo quando eu estava deprimido.
No começo, confesso que tive medo, mas depois me acostumei com aquela sinistra presença em meu quarto.
Normalmente ela chegava ao final da tarde, como quem vem de um dia cansativo de trabalho. A morte não pára um só segundo.
Vinha e se punha ao lado da cama onde eu “jazia” banhado de suor, apesar do ventilador ligado na velocidade III, e sentava-se na cadeira ao meu lado como se fosse uma antiga conhecida; e era, há muito me rondava.
Na verdade ela não queria me levar ainda. Se o quisesse não teria encontrado resistência por parte do velho que eu era mesmo em plena juventude.
Uma tarde ela chegou, como sempre fazia, mas o seu olhar misterioso e cheio de ânsia indicava que ela queria me dizer algo.
“Fala logo, desembucha, talvez não haja muito tempo!”, disse eu sorrindo a minha constante companheira de quem agora eu já não tinha mais medo.
“Você sabe de quê morre a maioria dos homens?”, perguntou-me ela fitando-me nos olhos.
“De câncer?” Respondi perguntando. Ela meneou a cabeça negativamente.
“Assassinados?” Também não. Respondeu como quem havia resolvido me dar mais uma chance.
“De AIDS?” Nada disso. Respondeu resoluta.
“E de quê morrem os homens então?” Perguntei já meio irritado.
“Eles morrem de prazer!” Respondeu-me a morte com um aspecto de quem sabia tudo do assunto.
“De prazer?” Perguntei surpreso. “Sim, exatamente isso, de prazer”. Respondeu-me convicta.
“Nas três vezes que você tentou responder a minha pergunta frisou apenas as conseqüências, mas esqueceu-se da causa de tudo: o prazer.
Câncer, assassinato, AIDS, na maioria dos casos, são apenas conseqüência da busca ensandecida pelo prazer".
“O prazer tem um preço meu bom amigo, e às vezes ele se chama morte!” Disse ela sorrindo morbidamente.
“Qualquer um pode, por exemplo, comer o que lhe colocarem no prato, se alimentar como bem entender, mas deve se preparar para as conseqüências nocivas dos seus hábitos alimentares.
“Por que você acha que existe tanta gente obesa, hipertensa e morrendo de câncer todos os dias por aí?”.
“E os assassinatos, onde uma boa parte deles ocorre? Nos bares, nas festas, nas bebedeiras, lá onde as multidões se aglomeram em busca do prazer”.
“E quanto à AIDS, por que tanta gente contaminada através de relações sexuais e consumo de drogas? Sexo sem preservativo e drogas injetáveis dá prazer”. Falou ainda a morte enquanto eu a escutava atentamente.
Depois ela ainda continuou falando: “Se não fosse essa busca desenfreada por prazer eu não teria muito que fazer por aqui”. Disse ela. Depois acrescentou: “O princípio do prazer é o meu combustível”.
Já que você é movida pelo princípio do prazer como está me dizendo, o que faz aqui ao meu lado, neste quarto. Por que está aqui? Perguntei olhando-a.
“Por prazer”. Respondeu ela sorrindo demoradamente. “Mas fique tranqüilo, não vou te levar agora, não agora”. Riu mais uma vez e desapareceu diante dos meus olhos.

André Pessoa

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