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sábado, 19 de setembro de 2009

A MORTE NA RUA


A MORTE NA RUA


A morte colheu aquela mulher numa quarta-feira, ao meio-dia, na calçada da loja na qual se preparava para entrar.
Uma súbita tontura, uma dor apertando o peito, o suor frio escorrendo pelo rosto obeso, a vista escurecendo e a perda dos sentidos.
A filha, desesperada, via a mãe partir com os olhos esbugalhados. Olhava para as pessoas pedindo ajuda, mas ninguém podia fazer nada.
A carteira caída de suas mãos foi recolhida por um senhor educado que a devolveu a mocinha atordoada. Dois rapazes que esperavam para tirar proveito do desespero alheio entreolharam-se (os ladrões não poupam nem os moribundos).
O vestido amarelo da mulher sujou-se da lama que escorria pela calçada quando ela desmoronou caindo sentada já quase desfalecida. A morte é suja, arrasta-se pelas ruas, cheira a esgoto.
A mulher dirigiu um último olhar para os circunstantes e pousou a vista na filha que via pela última vez como querendo lhe dizer algo que os seus lábios não conseguiram expressar. Mas pra quê as palavras se existem os olhos?
A senhora agonizante viu por um momento a boca da garota batendo numa mímica alvoroçada, mas já não podia escutar os sons que vinham do mundo que estava deixando.
Sua face ficou pálida, o sangue fugiu, foi-se junto com a vida, escapou sem deixar rastro. Suas mãos apertaram, num último esforço para permanecer entre os vivos, as da filha para logo em seguida soltá-las para sempre.
Daquele momento em diante as imagens e sons foram se extinguindo, as formas corporais tornaram-se silhuetas indefinidas, começou a longa viagem.
“Chamem a ambulância”, disse uma voz vinda da multidão. “Não é mais preciso”, respondi com a feição séria e um tom de voz abatido e respeitoso.
E pensar que no dia anterior mãe e filha fizeram tantos planos: falaram em trocar as cortinas, mudar a mobília, pintar o apartamento, visitar os parentes no interior.
A morte não manda aviso prévio, chega de repente, destrói utopias, mostra-nos quem de fato somos: reles mortais, peregrinos numa procissão que ruma para o além.
Depois daquela cena voltei para casa com alguns pacotes nas mãos. Dentro deles havia coisas sem importância compradas às pressas no supermercado do bairro.
Já é início da noite, começou o NE TV, o mundo tem uma pessoa a menos e amanhã eu vou trabalhar normalmente, dar aulas, ensinar o que ainda estou aprendendo.
André Pessoa

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