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sábado, 29 de agosto de 2009

TRIO ELÉTRICO SOBRE QUATRO RODAS


TRIO ELÉTRICO SOBRE QUATRO RODAS


“Proibido som de carro”. Era o que dizia um cartaz colado na vidraça da loja de conveniência do posto de gasolina no qual parei para abastecer quando estava a caminho do trabalho.
Depois de ler o aviso lembrei dos muitos postos que se transformaram em ponto de encontro de uma rapaziada que gosta de consumir muito álcool e escutar música em alturas indizíveis.
Aliás, já faz algum tempo que os “trios elétricos sobre quatro rodas” andam ofendendo os tímpanos das pessoas mais sensíveis e causando muita confusão na cidade.
Na semana passada, acordei às três da manhã com o som estridente de centenas de decibéis que emanavam dos alto-falantes de um carro que passava em frente a minha casa no fim da madrugada tocando desesperadamente Kelvis Duran, o príncipe do calypso.
O que mais me chamou a atenção foi o fato de que o motorista do carro em questão não parecia nem um pouco preocupado com o sono tranqüilo da vizinhança apesar das leis que existem para evitar esse tipo de problema.
Foi então que parei para analisar o fato e tentar entender o que estava por trás daquela atitude absurda, daquele “fenômeno social” que desafia a lei e incomoda as pessoas que tentam dormir tranqüilas depois de um longo dia de trabalho.
Em primeiro lugar, o indivíduo que escuta o som do seu automóvel num volume além dos limites toleráveis e em horas inapropriadas é alguém que quer ser notado, que precisa aparecer, sair do anonimato, fazer-se conhecido.
É possível que esteja querendo chamar à atenção para si e para o seu estilo e gosto musical. Ele pretende interagir com as outras pessoas e a música é o instrumento dessa tentativa de interação mal sucedida.
Na verdade, o som do carro é uma espécie de teia através da qual ele procura atrair os circunstantes que se identificam com o seu mundo. O som atrai os afins.
O som alto é também uma demonstração de poder, uma mensagem cifrada que comunica uma autoridade pretendida, mas ainda não alcançada.
Por esse motivo, é comum vermos os donos dos “trios elétricos sobre quatro rodas” se colocarem ao lado dos seus carros com posturas auto-suficientes e jeito de general.
Outra particularidade na atitude dos donos dos “trios elétricos sobre quatro rodas” é que as músicas executadas expressam sempre os sentimentos extremados que perturbam essas almas inquietas sedentas de aventura.
As letras das músicas tocadas, em geral, representam um rompimento com padrões comportamentais ditos normais e uma tentativa de subversão da ordem estabelecida.
Palavras como cachaça, cabaré e “gaia” são comuns nas letras das músicas executadas e expressam os anseios e temores dos proprietários dos automóveis e de alguns circunstantes que a eles se juntam.
As músicas refletem situações vividas, problemas cotidianos e desejos não satisfeitos que emergem no dia a dia dessas pessoas desafiando-as.
Através da música tocada em volume máximo elas extravasam, fazem uma espécie de catarse. Contudo, não é uma má idéia respeitar também o direito dos demais.

André Pessoa

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