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sábado, 8 de agosto de 2009

O GIGANTE E A LAGARTA


O GIGANTE E A LAGARTA


Havia no Vale de Urizen um gigante chamado Nared. Entre as criaturas daquela terra hostil ninguém o igualava, seja em força, coragem ou sabedoria.
Nared era o maior dos nefhilins, raça de gigantes resultante da união dos filhos de Deus com as filhas dos homens. Era um semideus, meio divino e meio humano, hora bondoso, hora perverso.
O gigante Nared tinha vinte côvados de altura, braços fortes e um olhar intimidador que aterrorizava os seus inimigos. O seu semblante era austero, mas o seu coração bondoso, virtude que quase lhe custou à vida.
Seu escudo era feito de bronze, sua espada a mais cortante e a sua lança o instrumento da morte. Todas as suas armas eram carregadas por um escudeiro que lhe precedia quando se dirigia ao campo de batalha.
Nared foi vencedor de muitas guerras e o seu nome começava a ser conhecido até nos confins do mundo. De uma só vez matou 30 homens na Batalha de Gemviabao.
Além dos dotes físicos, o gigante Nared era grande também em sabedoria. Havia lido mais de 3 000 livros e não existia assunto que não dominasse.
Conhecia o mistério das estrelas, a história dos povos e a alma do homem. Nos arquivos do Reino de Urizen gastava os seus dias querendo saber de todas as coisas (triste pecado: querer saber tudo, querer ser onisciente, querer ser Deus).
Um dia quando Nared estava instruindo os filhos dos gigantes na arte da guerra, se pôs no meio deles Damaan, a lagarta.
Damaam não era bela, mas possuía o feitiço dos deuses que embriagou o coração do gigante Nared.
Damaan, a lagarta, há cinco anos tentava chegar à terra de Radefel sem nunca o ter conseguido. Essa terra ficava longe e Damaan não tinha forças para lá chegar, pois se arrastava pelo chão caminhando lentamente.
O caminho até Radefel era longo, a estrada cheia de perigos e Damaam precisava de alguém para proteger-lhe, coisa que o seu antigo companheiro, o fraco Gueribec, não conseguira fazer.
Foi então que Damaan conheceu Nared, enquanto aquele instruía os filhos dos gigantes. Desse encontro resultou a paixão entre o fraco e o forte, o profano e o sagrado, a morte e a vida.
Não desconfiava, porém, Nared, que o sentimento que nutria por Damaan lhe custaria caro. O amor do gigante pelo fraco é a arma que o fraco usa para derrubar o próprio gigante.
Depois de ter ouvido atentamente tudo o que o gigante Nared dissera aos seus discípulos sobre a arte da guerra, a lagarta Damaan aproximou-se faceira daquele que estava destinado a lhe proteger e pediu-lhe ajuda.
Em princípio Nared não lhe dirigiu o olhar, nem lhe ouviu a palavra, mas com o tempo o pequeno seduziu o grande e o gigante passou a fita-la atentamente e ouvir o que ela tinha para dizer-lhe.
Damaan disse-lhe do seu desejo de chegar a Radefel e de como tinha falhado nas vezes anteriores que empreendeu essa viagem. O gigante Nared entendeu-lhe os intentos, amou-a em seu coração e prometeu ajudá-la.
Começou assim a saga da viagem de Nared e Damaan até a terra de Radefel. Entretanto, os caminhos que levam até as cidades prometidas são imprecisos e tortuosos, hora se mostram aos olhos, hora desaparecem diante dos viajantes.
Contudo, os maiores perigos de qualquer estrada não são os exteriores como precipícios, salteadores e tempestades inesperadas, mas os interiores, as mazelas que enchem o coração dos próprios peregrinos.
A viagem de Nared e Damaan até a terra de Radefel nada mais era do que uma luta entre esses dois seres tão diferentes. Damaan amparava-se na sua astúcia, o gigante Nared em sua auto-suficiência.
Damaan dissimulava, Nared confiava cegamente em si mesmo. Damaan fingia fragilidade, Nared fechava os olhos para aquilo que não queria ver.
Damaan entregava-se internamente ao mal, Nared também flertava com as trevas, mas se alimentava de desafios; só dormia bem quando sabia que no outro dia enfrentaria mil dragões.

André Pessoa

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