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sábado, 27 de junho de 2009

O ÔNIBUS


O ÔNIBUS



Hoje não está muito cheio. São sete da manhã e as manchas escuras de vômito no piso metálico mal lavado e o crek crek da criança comendo salgadinho ao meu lado me dão nos nervos.
Mais uma parada, mais um vendedor. É o mesmo chocolate barato, de fina espessura e sem gosto de sempre. O vendedor fala em mostrar o seu trabalho; fala como se fosse um artesão e de fato é: uma artista da sobrevivência.
O cobrador atrás da catraca continua dormindo. Como ele consegue dormir com o carro em movimento? E o dinheiro na caixa? Ele é mais um que foi vencido pelo cansaço, um consumidor em potencial de stresstab.
Agora os meus olhos estão fixos nas instruções para abrir a janela de emergência em caso de acidente. “Quebre o invólucro e gire a alavanca”, diz a inscrição. Li as instruções cinqüenta vezes durante o caminho de volta pra casa e talvez amanhã leia mais...
Estranho sentimento: ontem estava pedindo ao altíssimo que me livrasse do mal e agora suplico a Deus por um acidente para que eu tenha o prazer de quebrar o invólucro, girar a alavanca e me realizar (é assim que nos realizamos: girando as alavancas que se nos apresentam!).
O som está alto e a música que está tocando é uma daquelas feitas pra serem consumidas como mercadoria! Coloco a mão no bolso, apanho o celular, conecto o fone de ouvidos e me desligo das conversas ao meu redor.
Acabou de se levantar alguém e um lugar ficou vago. Penso duas vezes e prefiro não sentar; é que ao lado está sentada uma jovem mãe com uma criança de poucos meses nos braços e elas sempre vomitam em quem está do lado por causa do balanço do ônibus - melhor não arriscar.
Começou a chover lá fora; este é o momento mais difícil. Preciso escolher entre me molhar com a água que entra pela janela ou sufocar no calor aqui dentro. Escolho a primeira opção, mas a senhora obesa sentada no banco de trás reclama e me pede para fechar o “vidro”.
A chuva já passou, mas ninguém percebeu e por isso as janelas continuam fechadas. Tenho vontade de dizer a todos que a chuva já passou e que podem abrir os “vidros”, mas prefiro ficar calado e ir suportando o calor.
Chegou a minha parada e antes que eu toque a cigarra alguém a puxa primeiro do que eu. Perdi de novo! Porcaria. É que alguém a acionou antes de mim com o ônibus ainda imóvel na parada anterior.
Que concorrência é essa que continua até nos gestos mais simples daqueles que voltam pra casa depois de um dia cansativo de trabalho? Ganhar do outro, vencê-lo, exterminá-lo, eis o lema do nosso mundo!
A moça magra que puxou a cigarra antes de mim me olha com um ar de desdém, insulta-me com a sua pobreza de espírito e com as suas atitudes não polidas. Que me importa? Minha parada chegou, preciso descer. Só não posso esquecer que amanhã será um novo dia e haverá uma nova viagem. Ou será que não?

André Pessoa

2 comentários:

  1. Pensamentos como esse sempre me vem quando estou no ônibus. E os meus chegam até a ser mais extremos, pois sou muito, muito impaciente.

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  2. Muito bom esse texto, pensamentos que eu tenho quando "pego" um ônibus.
    Continue escrevendo professor!

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