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sábado, 4 de julho de 2009

O CARA



O CARA ...



Ele sempre está lá, mesmo quando eu gostaria que não estivesse. Sua presença independe de mim, ele tem vida própria, não parece muito preocupado com aquilo que eu penso ou deixo de pensar ao seu respeito.
O seu olhar me acompanha em silêncio. Ele simplesmente não diz nada, não com palavras, mas o seu silêncio é mais aterrador do que a pior das sentenças proferidas pela boca mais exaltada. Ele não precisa pronunciar palavra; sua linguagem não verbal me faz suar frio.
Quando chego às três da manhã, passos lentos, tentativa de fazer silêncio, esbarrão na mesa de jantar, é ele que vejo quando aciono o interruptor. Agora estou me dirigindo à cozinha, mas preciso passar pela sala e é nesse momento que ele me acompanha com os seus olhos grandes e profundos me perguntando o que procuro e se vale à pena fazer o que faço.
Confesso que não gosto muito dele porque ele é uma espécie de espelho onde me vejo como realmente sou, e quando contemplo quem sou não gosto muito do que vejo, tenho vontade de ir embora de mim mesmo, de sumir, desaparecer, ser transportado para algum mundo distante.
Por que ele tem que estar lá toda vez que chego cansado da noitada e ainda embriagado com a cerveja? Será que eu deveria olhar pra ele antes de sair de casa ao invés de fazer isso quando chegar?
Pare de olhar para mim, vá embora, voe para o céu de uma vez que é o seu lugar! Digo a ele no auge de minha embriaguez, embora sempre me arrependa instantes depois de tê-lo dito.
Uma coisa que me incomoda nele: o ar de sofredor, de gente aflita (parece padecer de uma dor que não tem cura). Seu corpo ainda está sangrando e não sei porque cargas d`água tenho a impressão de que ele não merecia aquilo, sinto que toda a violência que ele sofreu era pra mim.
Mas eu não quero ser como ele! Definitivamente não quero! Não pretendo ser mártir, nem morrer por nenhum filho da mãe! Exploda-se o mundo e as pessoas, amaldiçoadas sejam as utopias irrealizáveis com as quais sonham os fanáticos; nosso mundo não foi feito para os bonzinhos.
Agora estou exausto, discutir com ele me consome (é uma batalha que eu não consigo ganhar), olhá-lo ali, naquele canto frio, em meio às manchas de umidade da parede, me desgasta, me deixa exaurido, faz os meus pensamentos voarem até outra dimensão.
Contudo, apesar do ódio que sinto no meu peito, dos caminhos próprios que resolvi trilhar, penso que um dia o encontrarei em alguma curva da estrada ou em algum lugar do futuro e então ele me perguntará: “Por que não destes ouvido aquele que tu chamavas ironicamente de o cara barbudo na parede?”.

André Pessoa

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