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sábado, 2 de maio de 2009

BETHOVEN


BETHOVEN




Embora eu tenha me proposto a escrever também sobre cultura e música nesse blog é bom alertá-lo logo de início que este texto não fala sobre o extraordinário e mal-humorado músico alemão Bethoven.
É bem verdade que falarei de algo extraordinário, indizível, impensável, mas não de um ícone da música mundial em todos os tempos e sim de um cachorro, um cãozinho cocker que mudou a minha vida.
Penso que Bethoven é uma espécie de “enviado”, só não sei de onde. Ao que parece, ele existe para dois propósitos bem definidos: tirar o meu sossego e fazer brotar no meu coração os mais ternos sentimentos, o amor por tudo àquilo que não sou eu.
Naquela tarde em que ele chegou a nossa casa e saiu de dentro da caixa de biscoito que havia sido usada para transportá-lo foi logo mordendo com os seus pequenos dentes afiados a minha mão e mostrando “pra que veio”. Seria um presságio? Hoje, não tenho mais dúvidas que sim.
Bethoven é um cocker marrom-claro hiperativo e que se parece com um filhote de leão. Não podia ser diferente, o seu ofício é devorar e desmembrar coisas como sapatos, meias, roupas, documentos (a conta de água) e até mesmo a própria vasilha onde come.
Quando ele fez um buraco de grandes proporções na vasilha em que coloco sua comida todos os dias, percebi logo de saída que não se tratava de um caso qualquer e passei a tomar certas precauções.
Sabendo que ele gostava de desmembrar coisas, ou seja, transformar uma coisa em várias coisas, sempre que saía para trabalhar lhe dava algum objeto sem importância para que ele se “divertir-se” enquanto eu estava fora de casa.
Bethoven seguiu com a sua missão na terra destruindo tudo que encontrava pela frente. Uma vez quando cheguei em casa à noite, minha filha me disse: “precisamos levar Bethoven ao veterinário”, então eu perguntei: “ele está doente?”, “não painho, mas ele destrói tudo!”; sorri e disse brincando: “não se trata de chamar um veterinário, mas um Padre ou um Pastor para exorcizá-lo!”.
Claro que eu estava brincando, Bethoven é o motivo do nosso stress, mas também uma das coisas que nos ajudam a ter um pouco de alegria no dia a dia agitado de trabalho e estudo que enfrentamos desde as cinco da manhã até quase meia noite.
Demoramos cerca de uma semana para escolher o nome de Bethoven. Pensamos em chamá-lo Rousseau, Diderot, Voltaire e outros filósofos, iluministas ou não. Optamos por Bethoven, nome comum entre os cães, inclusive no cinema, porque era melhor de pronunciar do que Schopenhauer, por exemplo.
Eu não sei se você faz isso, mas lá em casa nós costumamos apelidar e adotar sobrenomes para os nossos cães. Apelidamos Bethoven de guêga, talvez por causa da pronúncia engraçada. Quando estou irritado com ele o chamo de Bethoven José ou Bethoven Augusto.
Assustado mesmo eu fiquei quando uma aluna me disse que o cocker é um cão atípico. Perguntei o porquê e ela me disse que ele poderia ter problema de vista (às vezes fica cego), sofrer ataques epiléticos, gosta de fugir para longe (nunca arrisquei, a corrente é grossa), gosta de comer carniça (terrível!) e não pára um segundo sequer (esta última característica eu já havia percebido).
Apesar dessa lista infinita de “qualidades”, o nosso Bethoven ao menos gosta de tomar banho. Ele fica quietinho, totalmente passivo enquanto nós o molhamos gradativamente e vemos o seu volume diminuir perceptivelmente já que ele não passa de uma grande bola de pêlos.
Costumo dizer a minha filha que o nosso cão também está sofrendo com o aquecimento global resultante do efeito estufa. O homem sempre dá um jeito de destruir as coisas, inclusive a natureza, e fazer mal até as criaturas mais inocentes.
Se não estivermos atentos Bethoven faz coisas do tipo espalhar papel higiênico por toda a sala as três da manhã, destruir os colchões e furar a parede. Penso que cada vez que os cães criados em apartamentos apertados cavam as paredes estão na verdade pondo em prática um plano de fuga; é que às vezes nós descemos pouco pra passear com eles.
Eu digo sempre a minha filha: “se um dia ficarmos ricos nosso Bethoven terá babá e ração especial”. Isto é uma brincadeira que faço por entender que o nosso cão deve participar das coisas boas que viermos a provar.
Por enquanto, ainda sou pobre; Bethoven terá apenas que continuar sonhando, como fazia a comovente cadela baleia de Vidas Secas (Graciliano Ramos) com um lugar paradisíaco onde existirão ossos em abundância.
Nesse exato momento ele está mordendo os meus pés e desatacando os meus sapatos. Parece que nada mudou desde o dia em que ele chegou a nossa casa.
Bethoven continua fazendo as mesmas coisas de sempre, só que agora eu o vejo com outros olhos, contemplo-o como um enviado especial, uma criaturinha que testemunhará a minha evolução como ser humano e assistirá a minha caminhada incessante em direção aquilo que há muito já foi determinado.




André Pessoa







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