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sábado, 3 de agosto de 2013

O PALHAÇO NA JANELA

               
                Vi-o pela primeira vez através do vidro canelado da janela da cozinha que dava para a área de serviço em uma noite de domingo. Já era tarde, o Fantástico tinha acabado e havia um silêncio ensurdecedor.
                Primeiramente, me assustei ao vê-lo, sobretudo, porque ele também olhava languidamente para mim. O seu olhar era triste e ao mesmo tempo hostil. Assustou-me a profundidade calma do mal!
                Em nenhum momento pensei em correr, gritar ou fazer qualquer coisa do gênero: o mal também nos atrai. Afinal de contas, por que correr se ele não era um espírito como os de filme de terror, mas apenas um palhaço, um terrível palhaço.
                Aprendi nesse dia que não há nenhuma graça na maquiagem mau do horror a nos fitar fixamente, profundamente, estranhamente... O mais inquietante em toda a experiência é que o palhaço falava com os olhos e não com a boca.
                Achei-o em princípio, parecido com o Ronald, mas depois percebi o meu erro ao constatar que ele era menos colorido. Aliás, nele as cores existiam, mas estavam mortas.
O palhaço era protagonista de um show aterrorizante que se desenrolava todos os dias no picadeiro do mundo sem graça que vai afundando as pessoas. Não era apenas a mim que o palhaço aparecia atordoante.
                Aquele palhaço, isso eu sei, não existe para fazer as pessoas rirem; é ele quem ri das pessoas. Permita-me dizer-lhe: eu conheço bem aquele palhaço, já o vi sob outros disfarces, já me apareceu em outras janelas!
                                                                                                              André Pessoa


Um comentário:

  1. Não vou cair no clichê de elencar as semelhanças entre o filósofo e o poeta. Vou me ater a compará-lo ao engenheiro. O filósofo é como o engenheiro pensado por João Cabral de Melo Neto: ele "pensa o mundo justo". A questão é que, quando entra em jogo o poder da linguagem e um desejo de forma, filósofo e engenheiro desembocam no poético. Belo texto, meu amigo! É de textos com a natureza deste seu, que nasceu um Camus... e, em Camus, por exemplo, estão o poético, o filosófico e a engenharia! ;)

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