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domingo, 14 de julho de 2013

SOMBRAS EUFÓRICAS


              
  Foi-se o tempo em que os loucos estavam confinados atrás dos muros altos dos hospitais psiquiátricos usando camisas de força e tomando eletrochoque. Hoje eles estão em toda parte, em todos os lugares frequentados por qualquer um e são considerados totalmente normais.
                Não estou aqui fazendo qualquer tipo de apologia aos antigos tratamentos psiquiátricos que transformavam o doente mental em um encarcerado marginalizado e que não promovia a resocialização do indivíduo. Estou falando de outra coisa: de como o comportamento doentio é considerado normal em nossos dias.  
                Os loucos de hoje não surtam (não com frequência) e nem tomam pesados medicamentos de tarja preta de muitos miligramas que precisem de recomendação médica. Aliás, aquilo que se designa por doença mental é relativo e por vezes o comportamento patológico é legitimado pela generalização de certas práticas sociais.
                Ou seja, é considerado “normal” tudo aquilo que muitas pessoas praticam e julgam comum mesmo que o comportamento em questão evidencie certos aspectos patológicos. Nesse sentido, adolescentes que bebem freneticamente até cair e pessoas viciadas em sexo e em tecnologia podem ser consideradas “normais”.
                Os loucos das sociedades tradicionais eram reconhecidamente loucos porque havia referências de normalidade. Agora, os paradigmas se foram, os referenciais se diluíram e com eles foi-se também o diagnóstico. Hoje, tudo é normal, todos são “normais”, muito embora as evidências apontem para o contrário. 
                Em nossos dias as pessoas se tornam loucas sem nem se quer desconfiar que estejam enlouquecendo. Como diz a letra de uma música bastante conhecida: “as pessoas enlouquecem calmamente...”; elas vão enlouquecendo, enlouquecendo até enlouquecer. Tudo isso, porém, dissimuladamente, por trás de uma capa de normalidade.
                Não existem mais loucos porque os traços esquizoides são tão largamente encontrados e compartilhados como normais em tantas pessoas que deixaram de serem sintomas de patologia. Somos todos loucos e não sabemos que o somos!
                François Laplantine diz que a nossa sociedade esquizofrênica produz em série indivíduos cada vez mais idênticos que aceitam sem resistência se conformar aos modelos vigentes. A loucura também pode ser produzida em série, uma espécie de fordismo esquizoide que abrange um número cada vez maior de pessoas.
                O mesmo autor afirma que as pessoas na sociedade ocidental se submetem a qualquer poder, contanto que ele lhes assegure uma euforia constante. Em outras palavras, é a “alegria” eufórica viabilizada pelo sexo e pelo consumo do álcool que entorpece os seres humanos fazendo-os fugir da realidade a nossa maior droga e principal sintoma da loucura.
                Contribuindo ainda mais para a loucura social, uma propaganda martelante promove através dos meios de comunicação de massa um sem-número de pseudodesejos que nos mergulham num consumismo esquizoide. A propaganda, o vício e a sensualidade nos fez perder todas as qualidades que constituem a riqueza de uma verdadeira existência humana!
                A própria linguagem que usamos foi esvaziada de qualquer conteúdo simbólico; restou-nos o palavreado abreviado, vazio e pobre da geração.com. Onde antes havia mistérios, agora só há um cemitério de ícones na tela do computador. Estranho: a geração da informação não consegue mais pensar!
                A sociedade da eficácia, das metas e do alto desempenho é também uma imensa horda de anônimos que correm atrás do vento enquanto se embriagam e se tornam cada vez mais egoístas. Foi dito as pessoas que é preciso ficar rico para consumir, e só por isso elas  correm, respiram e vivem. Sonham em tornarem-se ricas celebridades; miserável existência!
                Sem outro diagnóstico possível, é com pesar que concluo que somos todos lesionados psíquicos, sombras eufóricas tremulando projetadas na parede do fundo da caverna do nada. Será que estamos vivos realmente ou somos apenas zumbis sem alma que dançam através de uma existência sem sentido?

                                                                                                                                                                             André Pessoa


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