SOMBRAS EUFÓRICAS
Foi-se
o tempo em que os loucos estavam confinados atrás dos muros altos dos hospitais
psiquiátricos usando camisas de força e tomando eletrochoque. Hoje eles estão
em toda parte, em todos os lugares frequentados por qualquer um e são
considerados totalmente normais.
Não
estou aqui fazendo qualquer tipo de apologia aos antigos tratamentos
psiquiátricos que transformavam o doente mental em um encarcerado marginalizado
e que não promovia a resocialização do indivíduo. Estou falando de outra coisa:
de como o comportamento doentio é considerado normal em nossos dias.
Os
loucos de hoje não surtam (não com frequência) e nem tomam pesados medicamentos
de tarja preta de muitos miligramas que precisem de recomendação médica. Aliás,
aquilo que se designa por doença mental é relativo e por vezes o comportamento
patológico é legitimado pela generalização de certas práticas sociais.
Ou
seja, é considerado “normal” tudo aquilo que muitas pessoas praticam e julgam comum
mesmo que o comportamento em questão evidencie certos aspectos patológicos. Nesse
sentido, adolescentes que bebem freneticamente até cair e pessoas viciadas em
sexo e em tecnologia podem ser consideradas “normais”.
Os
loucos das sociedades tradicionais eram reconhecidamente loucos porque havia
referências de normalidade. Agora, os paradigmas se foram, os referenciais se
diluíram e com eles foi-se também o diagnóstico. Hoje, tudo é normal, todos são
“normais”, muito embora as evidências apontem para o contrário.
Em
nossos dias as pessoas se tornam loucas sem nem se quer desconfiar que estejam enlouquecendo.
Como diz a letra de uma música bastante conhecida: “as pessoas enlouquecem calmamente...”; elas vão enlouquecendo,
enlouquecendo até enlouquecer. Tudo isso, porém, dissimuladamente, por trás de
uma capa de normalidade.
Não
existem mais loucos porque os traços esquizoides são tão largamente encontrados
e compartilhados como normais em tantas pessoas que deixaram de serem sintomas
de patologia. Somos todos loucos e não sabemos que o somos!
François
Laplantine diz que a nossa sociedade esquizofrênica produz em série indivíduos
cada vez mais idênticos que aceitam sem resistência se conformar aos modelos
vigentes. A loucura também pode ser produzida em série, uma espécie de fordismo
esquizoide que abrange um número cada vez maior de pessoas.
O
mesmo autor afirma que as pessoas na sociedade ocidental se submetem a qualquer
poder, contanto que ele lhes assegure uma euforia constante. Em outras
palavras, é a “alegria” eufórica viabilizada pelo sexo e pelo consumo do álcool
que entorpece os seres humanos fazendo-os fugir da realidade a nossa maior
droga e principal sintoma da loucura.
Contribuindo
ainda mais para a loucura social, uma propaganda martelante promove através dos
meios de comunicação de massa um sem-número de pseudodesejos que nos mergulham
num consumismo esquizoide. A propaganda, o vício e a sensualidade nos fez
perder todas as qualidades que constituem a riqueza de uma verdadeira
existência humana!
A
própria linguagem que usamos foi esvaziada de qualquer conteúdo simbólico;
restou-nos o palavreado abreviado, vazio e pobre da geração.com. Onde antes
havia mistérios, agora só há um cemitério de ícones na tela do computador.
Estranho: a geração da informação não consegue mais pensar!
A
sociedade da eficácia, das metas e do alto desempenho é também uma imensa horda
de anônimos que correm atrás do vento enquanto se embriagam e se tornam cada
vez mais egoístas. Foi dito as pessoas que é preciso ficar rico para consumir,
e só por isso elas correm, respiram e
vivem. Sonham em tornarem-se ricas celebridades; miserável existência!
Sem
outro diagnóstico possível, é com pesar que concluo que somos todos lesionados
psíquicos, sombras eufóricas tremulando projetadas na parede do fundo da
caverna do nada. Será que estamos vivos realmente ou somos apenas zumbis sem
alma que dançam através de uma existência sem sentido?
André Pessoa
caraca, essa deu pra refletir....
ResponderExcluirÓtimo texto! Traz grandes reflexões acerca da nossa sociedade alienada
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