O ESTADO ESTÁ MORTO
Na
última segunda-feira levei quase três horas para fazer o percurso que leva do
trabalho até a minha casa. Em circunstâncias normais, se é que elas ainda
existem, o mesmo trajeto poderia ser feito em 1/3 do tempo que gastei por causa
das péssimas condições do trânsito e das estradas esburacadas por onde passo
quase todo dia.
Tentando
evitar o trânsito da Avenida Agamenon Magalhães, resolvi em um momento de
infeliz inspiração voltar para casa pela BR 101 o que me custou muito estresse
e a perda de um tempo precioso que eu poderia ter aproveitado para fazer muitas
coisas. Não resta dúvida que a mobilidade urbana tornou-se um problema grave no
Brasil.
Em
dado momento da minha volta para casa os carros trafegavam a 15 km por hora em
uma pista totalmente deteriorada e intransitável que sequer deveria estar
aberta aos veículos. É uma grande vergonha constatar que pagamos tantos
impostos e não dispomos das condições mínimas de mobilidade e deslocamento.
Depois
de mais ou menos uma hora e meia de penosa viagem, com o trânsito totalmente
travado olhei pela janela e avistei uma grande porção de mata atlântica que se
erguia a minha esquerda. Confesso que tive vontade de abrir a porta, descer do
carro e sumir dentro da mata.
Talvez
seja melhor voltar à natureza e viver como um animal do que ser massacrado pela
vida “civilizada” nos grandes centros urbanos. As grandes metrópoles do Brasil,
entre elas o Recife, tornaram-se lugares insuportáveis e insalubres para se
viver. Certamente que os bichos vivem melhor do que os homens!
Além
da minha indignação por ter que ser submetido a esse martírio depois de um dia
longo e cansativo de trabalho, encheu o meu coração um sentimento de decepção total,
pensei, então: fui abandonado pelo Estado que deveria cuidar do meu bem-estar.
Servimos apenas para pagar impostos e nada mais.
Lembrei-me
também que o mal estado de conservação das estradas está diretamente ligado à
corrupção, ao superfaturamento de obras públicas, aos acordos sinistros entre
empreiteiras e órgãos públicos e a péssima qualidade dos materiais usados para
pavimentar as rodovias que se dissolvem como açúcar na primeira chuva.
Enquanto
os presidentes do senado e da câmara cortam os céus longe dos mortais se
deslocando em jatinhos da FAB, o cidadão brasileiro é massacrado dia após dia em
estradas cheias de buracos que vão se decompondo. Ao mesmo tempo em que somos humilhados,
uma presidente perdida e equivocada promete coisas que não tem força para
cumprir!
Fomos
entregues a nossa própria sorte e o movimento e os protestos que deveriam
redimir o Brasil começam a se fragmentar em muitas e egoístas reivindicações e
perder força como um todo. O que começou como uma grande e poderosa
manifestação de uma nação está se esvaindo
em meio a bombas de efeito moral e spray de pimenta.
O
principal efeito colateral desses protestos que provavelmente não desembocarão
em mudanças substanciais é uma espécie de descaso do próprio cidadão no que
respeita a necessidade de agir politicamente correto. Ou seja, abandonado pelo
Estado, o brasileiro adota uma posição egoísta e não se sente mais identificado
com a nação e com o bem comum.
O
motorista mentalmente aniquilado pelo trânsito ultrapassa pelo acostamento e
faz manobras perigosas e arriscadas, o contribuinte sufocado pela tributação
excessiva vira um sonegador e o trabalhador oprimido não executa a sua função
como deveria. Tudo isso, leva-nos ao caos e promove a anarquia.
Peço
permissão a Nietzsche para concluir esse texto fazendo uma espécie de paródia
com uma das suas mais brilhantes frases: “O Estado está morto”.
Isso mesmo, o Estado já morreu, podre já está fedendo. Resta-nos agora
enterrá-lo e quem sabe esperar pelo nascimento de outro que nos trate como
filhos e não como bastardos.
André Pessoa
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