SONHOS: A DANÇA MACABRA DAS MEMÓRIAS
Sócrates, em
oposição aos filósofos que o antecederam, empenhou-se em conhecer o homem e não
a natureza fora dele. O “conhece-te a ti mesmo” adotado por ele como resumo da
sua filosofia sintetiza a sua opção.
Para ele havia
dentro do homem um universo muito mais vasto, desconhecido e misterioso a ser
desvendado do que do lado de fora, na natureza. Sócrates, empenhado na
descoberta da verdade optou pela “viagem interior”.
Sigmund Freud,
muitos séculos depois, usando as categorias da psicanálise, recurso do qual
Sócrates não dispunha (será que não?), mencionou a existência do inconsciente.
Segundo Freud, um dos caminhos que podiam ser percorridos até o inconsciente
era o dos sonhos.
Desde então
muitos esforços no sentido de descobrir a natureza e o significado dos sonhos
foram feitos, alguns bem sucedidos, outros nem tanto. Dentre os bem sucedidos
encontra-se o de Henri Bergson que afirma que nos sonhos a porta do nível
consciente é aberta.
Uma vez aberta
a porta, todas as memórias, que segundo penso são o registro adormecido da
nossa existência e do que somos, acorrem apressadas querendo vir à tona. O
sonho, diz ainda Bergson, coincide com a abertura da porta por onde se insurgem
violentas as memórias.
Nesse momento,
a memória, tal e qual a lava avermelhada e incandescente de um vulcão que
acabou de entrar em erupção, aflora violentamente para a superfície. A
intensidade desse momento nos absorve quase nos destruindo!
Sobressaltados,
palpitantes, assustados ou suando frio acordamos antes que sejamos consumidos
pelas nossas memórias. Não suportaríamos um confronto com nós mesmos e com as
forças represadas dentro de nós se todas viessem à luz em um único e pavoroso momento.
As nossas
memórias falam do que somos, mas também do que seremos. Os sonhos revelam o que
de fato somos e o que ainda seremos. Eles são como as águas revoltas de um
oceano tenebroso por onde se pudéssemos optar não gostaríamos de navegar.
Bergson diz
também que as nossas memórias, antes presas no inconsciente, quando libertas
sobem à superfície e executam uma “dança macabra” durante os sonhos. Os sonhos
põem em liberdade forças antes aprisionadas nas regiões mais profundas do nosso
ser.
A dança das
nossas memórias durante os sonhos nos parece macabra porque está liberta das convenções que nos aprisionam no
mundo real. As memórias não respeitam as convenções, apenas revelam o que
existe dentro de nós e a própria essência humana.
Os nossos
sonhos expressam com propriedade quem de fato somos, as forças que agem em nós
e ocasionalmente o que seremos. Apesar de tudo e da fúria noturna desse
singular momento, é melhor dançar de mãos dadas com memórias medonhas,
arquetípicas e macabras do que não sonhar.
André
Pessoa
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