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domingo, 23 de setembro de 2012


SONHOS: A DANÇA MACABRA DAS MEMÓRIAS


Sócrates, em oposição aos filósofos que o antecederam, empenhou-se em conhecer o homem e não a natureza fora dele. O “conhece-te a ti mesmo” adotado por ele como resumo da sua filosofia sintetiza a sua opção.
Para ele havia dentro do homem um universo muito mais vasto, desconhecido e misterioso a ser desvendado do que do lado de fora, na natureza. Sócrates, empenhado na descoberta da verdade optou pela “viagem interior”.
Sigmund Freud, muitos séculos depois, usando as categorias da psicanálise, recurso do qual Sócrates não dispunha (será que não?), mencionou a existência do inconsciente. Segundo Freud, um dos caminhos que podiam ser percorridos até o inconsciente era o dos sonhos.
Desde então muitos esforços no sentido de descobrir a natureza e o significado dos sonhos foram feitos, alguns bem sucedidos, outros nem tanto. Dentre os bem sucedidos encontra-se o de Henri Bergson que afirma que nos sonhos a porta do nível consciente é aberta.
Uma vez aberta a porta, todas as memórias, que segundo penso são o registro adormecido da nossa existência e do que somos, acorrem apressadas querendo vir à tona. O sonho, diz ainda Bergson, coincide com a abertura da porta por onde se insurgem violentas as memórias.
Nesse momento, a memória, tal e qual a lava avermelhada e incandescente de um vulcão que acabou de entrar em erupção, aflora violentamente para a superfície. A intensidade desse momento nos absorve quase nos destruindo!
Sobressaltados, palpitantes, assustados ou suando frio acordamos antes que sejamos consumidos pelas nossas memórias. Não suportaríamos um confronto com nós mesmos e com as forças represadas dentro de nós se todas viessem à luz em um único e pavoroso momento.
As nossas memórias falam do que somos, mas também do que seremos. Os sonhos revelam o que de fato somos e o que ainda seremos. Eles são como as águas revoltas de um oceano tenebroso por onde se pudéssemos optar não gostaríamos de navegar.
Bergson diz também que as nossas memórias, antes presas no inconsciente, quando libertas sobem à superfície e executam uma “dança macabra” durante os sonhos. Os sonhos põem em liberdade forças antes aprisionadas nas regiões mais profundas do nosso ser.
A dança das nossas memórias durante os sonhos nos parece macabra porque está  liberta das convenções que nos aprisionam no mundo real. As memórias não respeitam as convenções, apenas revelam o que existe dentro de nós e a própria essência humana.
Os nossos sonhos expressam com propriedade quem de fato somos, as forças que agem em nós e ocasionalmente o que seremos. Apesar de tudo e da fúria noturna desse singular momento, é melhor dançar de mãos dadas com memórias medonhas, arquetípicas e macabras do que não sonhar.
                                                                                                     
   André Pessoa

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