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sábado, 24 de março de 2012


JESUS E PROMETEU

Sempre que afirmo em alguma conversa que as narrativas de feitos sobrenaturais como criar o homem a partir do barro, abrir o mar ou ressuscitar os mortos são míticas, percebo certa hostilidade e aflição em alguns olhares. Alguns acham que mito é sinônimo de mentira.

Na verdade, as narrativas míticas não são exatamente mentiras na acepção mais literal da palavra. O mito é uma forma imaginativa e acrítica utilizada para explicar a origem de alguma coisa para a qual o homem do mundo antigo não possuía explicação.

Os mitos eram narrativas sobrenaturais da origem das coisas feita em público pelo poeta-rapsodo, considerado um porta-voz dos deuses. A credibilidade de uma narrativa mítica resultava do fato do poeta-rapsodo falar “em nome dos deuses”.

Os tempos mudaram, a história correu como um rio no leito do tempo, mas os “poetas-rapsodos” que “falam em nome de Deus” continuam por aí. É um erro acreditar que narrativa mítica é coisa do passado; basta ligar a TV para ver que o mito é algo muito atual.

Falar dos livros ditos sagrados em termos de mitologia parece ofender o crente que em nenhum momento ousa colocar o conteúdo dessas escrituras a prova. Entretanto, aceite ou não os fiéis, nos livros religiosos como a Bíblia predomina a linguagem e a narrativa mítica.

A maior parte dos textos considerados canônicos (inspirados) está repleta de mitos. Isto significa que provavelmente nunca saberemos com certeza qualquer coisa sobre o início do mundo, o aparecimento do homem ou a verdadeira identidade de Jesus.

A criação do mundo por Deus, o Adão feito do barro e o Jesus fabuloso dos evangelhos são tentativas de resgatar um passado longínquo e indecifrável que não volta mais e que fica cada vez mais enterrado na história com o passar dos anos. O mito é a negação desse fato.

Qualquer ser humano honesto o suficiente para deixar de lado os preconceitos, perceberá, mesmo em uma leitura rápida da Bíblia, que esta contém inúmeras narrativas míticas. Algumas muito semelhantes aos mitos sumérios, persas e gregos.

Basta ao cristão ler a Epopéia de Gilgamesh, o Enuma Elish ou o mito grego de Deucalião (o Noé helênico) para identificar as inúmeras semelhanças entre estes e as narrativas contidas no livro do gênesis. Por este motivo, é insano da parte do cristão criticar outras religiões chamando-as de pagãs.

Uma coisa que o fiel cristão não sabe e que pastores e padres não ensinam nos estudos bíblicos dominicais é que a Bíblia e o cristianismo são uma colcha de retalhos, a mais “pagã” de todas as visões religiosas. A exclusividade dos textos bíblicos só existe na imaginação da pessoa devota!

A impressão que temos ao ler as narrativas míticas das diversas culturas do mundo antigo é que existia uma espécie de molde literário dos mitos dos quais fazia uso a maioria dos povos da antiguidade. Algo parecido com um formulário igual para todos, no qual apenas os nomes dos personagens são mudados.

Neste “formulário” constavam mitos como a história do irmão que mata o outro (Caim e Abel, Rômulo e Remo), do herói lançado nas águas do rio (Moisés e Sargão), do sobrevivente do dilúvio (Noé e Deucalião) e assim sucessivamente. O molde era usado por todos!

Um exemplo perfeito daquilo que neste texto está sendo afirmado são as semelhanças entre a história do Jesus dos evangelhos e o mito de Prometeu, o titã grego. Ambos amam os homens e resolvem favorecê-los ainda que para isso tenham que pagar um alto preço.

Prometeu roubou o fogo dos céus e presenteou os homens com ele; Jesus semelhantemente sacrifica-se pelos pecadores. Prometeu foi condenado por Zeus a ter o fígado bicado por uma ave durante toda a eternidade. Jesus recebe a morte dolorosa na cruz!

Não satisfeito com o castigo imposto a Prometeu, Zeus envia uma mulher, Pandora, com uma caixa que depois de aberta faz entrar o mal no mundo. Seria o Prometeu dos gregos o Jesus dos cristãos e seria a Pandora dos gregos a Eva dos hebreus? Provavelmente.

André Pessoa

2 comentários:

  1. Uma coisa que o fiel cristão não sabe e que pastores e padres não ensinam nos estudos bíblicos dominicais é que a Bíblia e o cristianismo são uma colcha de retalhos, a mais “pagã” de todas as visões religiosas. A exclusividade dos textos bíblicos só existe na imaginação da pessoa devota!

    Hórus, Mithra, Krishna, Attis e Jesus. Faziam milagres, nasceram de uma mãe virgem, tinham seguidores e ressuscitaram. Ótimo blog professor.

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  2. Exatamente. Agora a própria Bíblia diz que "o céu e a terra passarão, mas as minhas palavras não passarão". Isso de dizer que a história de Jesus ficou "esquecida" ou "cada vez mais enterrada no passado" nao é verdade. Vai ver o professor entrou numa igreja, ficou com raiva do que o pastor falou e resolveu criticar os cristaos.

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