PORQUE AS TRAGÉDAS ACONTECEM

PORQUE AS TRAGÉDIAS ACONTECEM

Eu tenho certa aversão aos lugares onde as multidões se reúnem. Na multidão sinto-me vulnerável, sem controle da situação, dependente das circunstâncias e dos outros; fato que não me agrada.
Apesar dessa não suscetibilidade às grandes aglomerações humanas, resolvi aceitar um convite para assistir ao desfile do Galo da Madrugada pela primeira vez na minha vida. Achei que ver o evento de um camarote garantiria a tranqüilidade e a segurança.
Entretanto, não foi nada disso que aconteceu, mas exatamente o contrário. Mesmo diante de um cenário caótico e das circunstâncias adversas e perigosas, aproveitei para refletir sobre a experiência e quero compartilhá-la com você.
Depois de uma manhã inteira assistindo ao desfile de um bloco carnavalesco que atraí mais de um milhão de pessoas e é conhecido em todo o mundo, conclui que a alegria que o carnaval representa pode com muita facilidade se transformar em tristeza e tragédia.
Certifiquei-me esta manhã que as tragédias são o resultado do encontro entre o descaso e a fatalidade. Ainda que às vezes pareça ser impossível evitar uma catástrofe, na maior parte das vezes nós contribuímos de todas as formas para que ela aconteça.
Como havia dito antes, acreditei que o fato de ir assistir ao desfile do Galo da Madrugada em um camarote garantiria a minha segurança e bem-estar. Entretanto, onde há ambição e desejo doentio de ganhar dinheiro, as vidas humanas são desprezadas.
Aqueles que me venderam os ingressos do camarote em questão garantiam, entre outras coisas, um ambiente seguro, climatizado e com tudo aquilo que é necessário para a segurança e conforto dos participantes. Contudo, na hora do evento o que vi foi outra coisa.
O “camarote” em questão foi instalado em um prédio visivelmente abandonado da Avenida Guararapes. Logo na entrada, um monte de lixo e um odor insuportável de urina davam as “boas-vindas” aos participantes engodados.
Dois andares foram ocupados com a finalidade de receber as pessoas que pagaram uma soma razoável (inclusive eu) para assistir ao desfile carnavalesco em questão. Em um dos andares se instalaram as bandas que animariam o evento, o outro ficou livre aos participantes.
A escada que dava acesso aos andares em questão se erguia em espiral ascendente por entre um corredor apertado e sujo onde as janelas enferrujadas com vidros quebrados eram um nefasto “cartão de visitas”.
No interior do prédio, vi pelo menos dois fossos contendo entulho com restos de construção dando a entender que estávamos em um lugar em obras há muito abandonado. As paredes precariamente rebocadas deixavam à mostra as vigas de metal em estado de corrosão avançado.
Via-se por todos os lados caixas de disjuntores abertas onde a fiação da rede elétrica exposta colocava em risco a vida das pessoas. Do teto jorrava água por causa das inúmeras goteiras e as paredes manchadas por infiltrações davam um tom macabro ao lugar.
Não havia qualquer tipo de sinalização no interior do prédio e a não existência de saídas de emergência garantia que muitos morreriam em caso de pânico. Os banheiros mal cheirosos e improvisados da pior forma estavam entupidos e sujos.
A superlotação e o mau-preparo das pessoas do “apoio” completavam o cenário caótico do falso camarote anunciado com entusiasmo pelos vendedores de ingresso. Enfim, todos foram enganados por uma falsa propaganda feita pelos organizadores do evento.
Uma coisa não me saiu da cabeça: por que as autoridades permitem que isso aconteça e que a vida das pessoas seja colocada em risco dessa forma? Onde estavam os poderes públicos que não impediram que isso acontecesse? Quem responderia pelas vidas perdidas naquele lugar caso ocorresse uma tragédia?
O dinheiro jogado fora pelas pessoas que compraram ingresso para esse evento é a última coisa que importa diante da magnitude do problema em questão. São esses fatos que me convencem de que fomos totalmente abandonados pelas autoridades constituídas!
As tragédias acontecem porque a ambição doentia transforma os organizadores desse tipo de evento em pessoas desumanas e perversas cuja liberdade para perpetrar os seus crimes é garantida pela omissão do poder público. Até quando isso continuará acontecendo?

André Pessoa