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domingo, 14 de março de 2010

LITEROMANCIA



LITEROMANCIA



Quem me conhece sabe que eu sou um leitor compulsivo. Já li várias centenas de livros e continuo lendo, apesar do pouco tempo de que disponho por causa do meu trabalho.
Sempre considerei os livros como “entes interacionais”. Lutero dizia de certo livro que lhe era especial que este “tinha braços e pernas e que corria atrás dele”.
Não basta apenas ler os livros, é preciso interagir com eles. Sempre tratei os livros como se fossem filhos, dando carinho e respeito a eles e recebendo informações e conhecimento em troca.
Costumo dizer que o meu grande pecado é querer saber tudo. Gostaria de conhecer todos os assuntos, saber discursar sobre tudo, conhecer todos os lugares e os seus respectivos costumes, ser capaz de discorrer acerca de todos os assuntos, de coisas do cotidiano até as mais complexas questões metafísicas.
Na ânsia de obter o máximo de conhecimento sobre todas as coisas quase fiquei louco. Quando estava no segundo ano do curso de teologia lia seis (6) livros por semana, um por dia, o que me custou um esgotamento nervoso sem precedentes e um longo período de depressão. Li de Platão a Lair Ribeiro.
Houve um tempo em que eu preferia a companhia dos livros à das pessoas. Foi então que aprendi com o escritor judeu Martin Buber que nós só lemos os livros porque depois de lê-los encontramos pessoas com quem podemos compartilhar aquilo que lemos. Os livros existem por causa das pessoas e não o contrário.
Nunca consegui ler um livro de cada vez; sempre estou lendo vários títulos, em média cinco (5) de cada vez (é exatamente isso que estou fazendo agora). Contudo, determinei que jamais deixaria um livro pela metade; sempre que começo a leitura vou até o fim, gostando ou não.
Entretanto, não escrevo este texto para falar dos meus “malabarismos literários”, mas para compartilhar uma experiência que venho vivenciando de um ano para cá. Trata-se de um fenômeno que eu “batizei” de literomancia.
Sempre fui um homem crítico, que submete todas as coisas ao tribunal da razão. Contudo, as experiências pelas quais tenho passado nos últimos anos me levaram a acreditar que, como disse Shaekespeare, “entre o céu e a terra existem mais coisas do que sonha a nossa vã filosofia”.
No começo fiquei um pouco assustado com o que me aconteceu, mas depois, paulatinamente, fui me acostumando com a experiência incomum. A minha opinião é que nós não devemos evocar forças sobre as quais não temos controle, às vezes, porém, são elas que nos evocam.
Percebi que passado, presente e futuro estão contidos de alguma forma estranha e maravilhosa nos livros que nós lemos. Assustei-me ao perceber que à medida que eu lia os livros, acontecimentos envolvendo pessoas que eu conheço e com as quais me relacionei ou continuo me relacionando se revelavam repentinamente a mim.
Algumas coisas das quais eu tomei conhecimento foram simples e corriqueiras, outras graves e perturbadoras. Vi vida e morte nas páginas dos livros, sucesso e declínio, ascensão e queda, saúde e doença de pessoas próximas e distantes.
Muitas coisas que vi (ou seria que li?) já aconteceram, outras ainda estão no porvir. De alguma forma estranha e incomum, o sobrenatural resolveu revelar-se através da literatura e dos livros.
O processo dentro do qual acontece a comunicação dos acontecimentos que dizem respeito a coisas, pessoas e instituições é simples. Uma vez iniciada a leitura do livro, a minha vista pousa, ao longo da leitura, sobre alguns trechos dos livros que se aplicam a assuntos e pessoas que lhe são alheios e uma espécie de iluminação percorre as palavras descortinando-as e relacionando-as a algum evento passado, presente ou futuro.
Uma parte importante do processo é a escolha do livro, ela é determinante para que o desvelar dos fatos ocorra sem enganos e sem a interferência do leitor. Diante dos livros, o leitor a quem os fatos haverão de se revelar deve se deixar conduzir pela força que o impele a encontrar a fonte certa.
Escolher o livro certo às vezes exige muitos dias, meses e até mesmo anos. É bom lembrar que não é sempre e nem em toda leitura que algum tipo de iluminação intuitiva acontece. São os livros que nos escolhem e não o contrário.
Enfim, aquilo que eu chamo de literomancia não é nenhum tipo de adivinhação, é leitura dos sinais, um tipo de semiótica místico-literária. O vislumbre, entretanto, dos sinais é sempre o resultado de um relacionamento com o sobrenatural que, por algum motivo, quis revelar-se na literatura, essa maravilha que dominará o século XXI.

André Pessoa


2 comentários:

  1. Prof..gostei,e estou pensando até em adotar o termo literomancia!
    Isso também ocorre comigo..apesar de eu ainda não ter lido o número de livros que o sr. já leu,pois estou estudando para prestar o vestibular,mas gosto do hábito.Ler é a forma mais barata de viajar (como o Sr. mesmo fala em aula,só que no seu exemplo é usada a filosofia como meio de viagem).Ler nos faz pensar..nos faz usar a mente!
    Gostei do texto!

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  2. Gostei do texto professor!
    É muito complicado e perigoso administrar a curiosidade e o conhecimento.
    O saber é estranho e amargo pois nos despe de qualquer fantasia ou ilusão e até compromete algumas crenças inerentes à nossa condição de humanos.
    Será que as pessoas que têm grande conhecimento sobre as coisas, principalmente aquelas convencionadas pela sociedade, muitas delas polêmicas e duvidosas, são mais felizes ou mais realizados do que as pessoas que não têm?
    Será que muitas das frustrações humanas não reside exatamente aí, no querer entender tudo?
    Sinceramente, admiro e busco o conhecimento e o saber para fins intelectuais mas não acho benéfico procurar decifrar o indecifrável. Pra mim, isto traz sofrimento.
    Acredito no conhecimento que me faz bem. No conhecimento que têm a finalidade de solucionar males da sociedade, como por exemplo, as pesquisas clínicas, a cura de doenças graves.
    Esse é o saber que me impulsiona, me levanta e me faz crer em possibilidades.
    Os demais conhecimentos que me trazem dor, revolta e sofrimento não me interessam e por isso os descarto.
    Quando os questionamentos começam a me perturbar, prefiro parar e ler Marley e Eu ou mesmo gibis da Mônica e Cebolinha.

    Ceiça

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