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sábado, 18 de julho de 2009

A PONTE




A PONTE



Eu morri enquanto atravessava a ponte. Olhei e vi: meu corpo estava lá imóvel apesar das tentativas dos médicos de reanimá-lo.
Morri exatamente no meio da ponte. Por trás do corrimão podia-se ver a água escura do rio e as nuvens negras e carregadas que boiavam no céu.
Vi o meu corpo deitado no lugar por onde circulam os transeuntes, mas não havia ninguém assistindo a cena, além do meu corpo, só os médicos.
Minha morte foi só minha e não um espetáculo público e horrendo ao estilo dos jornais sensacionalistas. A morte não é um show.
Não havia ninguém pra me ver deitado no chão frio e sujo, também não havia lágrimas porque o fim é apenas o começo!
Quanto tempo esperei por aquele momento, o momento da minha morte, a aurora da minha vida, o limiar do dia perfeito!
Se a semente não morrer também não pode dar fruto, por isso a minha morte foi providenciada a fim de que tivesse início a grande colheita.
Nesse tipo de morte não há caixões descendo com cordas até o ventre da terra, nem choro, nem coroa de flores, nem velas, nem luto, apenas a ponte.
Morri porque ninguém pode atravessar a ponte senão como morto. A ponte que conduz ao novo só pode ser atravessada pelos defuntos!
Agora estou do outro lado e a paisagem me causa estranheza. Não podia ser diferente, são os meus primeiros passos no terreno da nova realidade, do não-comum.
Não que a paisagem tenha de fato mudado, são os meus olhos que agora vêem o que antes me estava oculto ainda que diante de mim.
Por um momento pensei em olhar para trás, mas ele me disse: “não faça isso, o seu lugar de agora em diante é aqui. Você não sobreviveria se voltasse”.

André Pessoa

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