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quinta-feira, 23 de abril de 2009

"CREPÚSCULO"






CREPÚSCULO


Foi-se o tempo em que os vampiros eram pessoas pouco atraentes, que moravam em castelos sombrios, fugiam da cruz, detestavam alho, dormiam em caixões e só pensavam em sugar o sangue dos frágeis mortais. Tudo isso ficou para trás.
Os vampiros de Crepúsculo, sobretudo, o sedutor Edward Cullen, não são nem de longe parecidos com os antigos sugadores de sangue da longínqua Transilvânia romena como foi o lendário Vlad IV (conde Drácula).
Eles são pessoas bem sucedidas nas suas profissões (médicos, por exemplo), dirigem carros possantes, jogam beisebol e fazem uso da alta tecnologia (a câmera filmadora do rastreador).
Edward, embora se mantendo sinistro e misterioso, é um verdadeiro galã sedutor sempre pronto a defender a mulher amada como fez com Bella no momento em que ela seria esmagada pela van desgovernada parada pela força descomunal do rapaz apaixonado.
O nosso Edward é um tipo que representa bem o mundo contemporâneo pós-moderno no qual as fronteiras entre o sagrado e o profano, o bem e o mal se interpenetram. Edward é o vampiro (representante do mal), mas também o herói apaixonado (símbolo do bem).
Para aumentar ainda mais o poder de atração desse jovem sinistro, os seus olhos mudam de cor de acordo com a incidência de luz passando de um tom escuro para um castanho claro que deixa Bella apaixonada e desconcertada.
O que a leitura nas entrelinhas da história passada em Forks, cidadezinha americana de 3120 habitantes, deixa transparecer é que Edward e Bella estão unidos pela agonia comum que sentem. Se não vejamos.
Edward luta o tempo inteiro contra os seus instintos sanguinários que o impelem a fazer aquilo que não deseja e ela é uma jovem que se encaixa perfeitamente naqueles complexos perfis psicológicos introspectivos que são terra fértil para a psicologia moderna.
Edward é um tipo agonizante que parece amar a solidão e não é entendido por ninguém, nem mesmo por sua Bella. Aliás, nisso reside todo o seu poder sedutor, no desconhecido, no misterioso.
O belo e recluso Edwards não é exatamente um daqueles caras afeitos à multidão, daí sumir de vez em quando e reaparecer tão misteriosamente como sumiu.
Bella não consegue entender Edwards porque os seus mundos, embora se encontrando numa quase perfeita intersecção, continuam distintos. Ela é humana, e como tal não compreende as coisas sobrenaturais; ele é imortal, mas se apaixonou por aquilo que é efêmero.
Na verdade, o amor de Edward e Bella representa uma multidão de paixões arrasadoras que todos os dias se apossam de pessoas totalmente diferentes entre si. O romance dos nossos dois heróis se repete as dezenas por esse mundo a fora.
Particularmente romântico é o fato de Edward está o tempo todo protegendo a garota mortal por quem se apaixonou, mesmo quando ela não o vê. O maior prazer dele é livrá-la de situações perigosas e aparecer subitamente em seu quarto para vê-la dormindo, já que ele mesmo não pode fazê-lo.
Ao olhar Bella dormindo é possível perceber que Edward, insatisfeito que é com a sua própria natureza, expressa sua vontade de se tornar humano. O super-herói da noite escura, mesmo repleto de poderes que os humanos pagariam caro para possuir, parece admirar e invejar o sono tranqüilo de sua amada.
Em crepúsculo o mito de Prometeu, acorrentado por Júpiter a uma rocha no Cáucaso por favorecer aos humanos mortais, encontra seu mais recente eco. Aliás, alguém já disse que ser deus significa favorecer os mortais.
Curioso mesmo é o fato de Edward Cullen querer proteger Bella da sujeira dos seres humanos (os tempos mudaram!). É o mundo de ponta cabeça: o mal virou bem, o bem virou mal.
Mas o paradoxo dos Cullens não pára no puritanismo de Edward. Dentro dele, nesse particular, excessivamente humano, duas vontades entram em conflito: ele deseja proteger a sua amada ao mesmo tempo em que é tentado a destruí-la.
Mesmo numa roupagem contemporânea, Crepúsculo ainda lança mão das antigas cenas românticas onde os casais apaixonados se beijam ao pôr do sol ou vislumbram uma bela paisagem; o que há de diferente aqui é que eles estão no alto da copa de uma grande árvore observando a paisagem bucólica que se estende diante dos seus olhos.
O pai de Bella não consegue entender Edward (daí o spray de pimenta na bolsa da filha) e nem poderia. O policial bem intencionado que tenta desvendar o mistério das mortes violentas em Forks é normal além da conta, um desses tipos fleumáticos.
Enfim, no romance entre Edward e Bella, bem e mal se interpenetram, o finito e o infinito se tocam, a vida e a morte se beijam. Bella é a grande prova de Edward: ela é o bem caminhando lentamente para o mal, ele é o mal se apaixonando pelo bem...

André Pessoa

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