Arquivo do blog

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

O SOBREVIVENTE



O SOBREVIVENTE


Já fazia dez anos que a guerra havia acabado, mas ele ainda trazia no corpo as marcas daquela tragédia. Foi ferido mortalmente na batalha.
Sobreviveu milagrosamente - é que a morte só nos leva completado o percurso. Ninguém fica pelo caminho, não existe morte prematura, apenas fim de linha, estação final.
Contudo, os caminhos percorridos pelos seres humanos não são do mesmo tamanho, não possuem a mesma extensão. Uns estão apenas nascendo, outros morrendo neste exato momento. Por isso ele ainda se arrastava pelas veredas da vida, mancando, às vezes andando com dificuldade, mas sempre prosseguindo.
Intuía que a maior de todas as batalhas ainda estava por ser travada. Na verdade, sabia que ela já estava se processando, era preciso apenas olhos para ver cada uma de suas cenas que nem sempre se passavam onde se esperava vê-las.
Até então o sobrevivente havia colecionado muitas marcas profundas na alma, entretanto, acreditava, como um dia escreveu em outro lugar, “no dia das pequenas coisas”. A vida não era o que se dizia que era, muito menos as pessoas. Descobriu isto enquanto guerreava!
Ele era um náufrago da vida. Sentia, porém, a proximidade da terra, ouvia o barulho das ondas que se chocavam com o píer do porto para onde se dirigia sem sabê-lo. Para onde você está indo? Perguntavam. Para onde tenho que ir. Ele respondia.
Às vezes acordava no meio da noite fustigado pelas lembranças da antiga catástrofe. Enquanto o suor frio lhe escorria pelo rosto noite adentro ia vendo, mesmo sem enxergar, as imagens que se formavam dentro da escuridão.
As trevas, concluiu o sobrevivente, também nos conduzem a luz. De dentro da noite muitas vozes eclodiam a beira da estrada e, para a sua surpresa, lhe mostravam o caminho. Esses intrusos sem nome de outro mundo sorriam-lhe reverentemente como se há muito o conhecessem, abrindo-lhe a bolsa e mostrando-lhe as muitas dádivas que traziam consigo para ofertar-lhe.
Durante muito tempo e de várias formas tentou esconjurar os poderes que o queriam absorver, não conseguiu, ninguém consegue. A maior tragédia, descobriu olhando-se no espelho, é lutar contra aquilo que não podemos vencer, é chorar pedindo perdão, é se arrepender.
As mudanças que se processam em nosso interior têm vida própria e rumam para onde querem arrastando-nos em sua torrente. Estamos todos sendo carregados. Ninguém muda, é mudado.



André Pessoa

Um comentário:

  1. Hoje não vou comentar seu texto mas deixo para reflexão esse poema de Tânia Oliveira.

    Abraço;
    Ana

    Não te deixes apagar!
    Não te deixes levar
    Por essa dor, nem enfraquecer
    Por essa tristeza. Não deixes ceder!

    Esses pensamentos negros
    São um veneno para a tua alma!
    Cuidado! Não te deixes intoxicar!
    Ouve antes o silêncio e vive com calma!

    Olha à tua volta, não!
    Fecha os olhos do corpo
    E abre os do coração!
    Vê a pureza
    Da natureza!

    Vê! A mais simples criatura
    (tão singela e tão pura),
    Feliz e contente
    Vivendo a sua vida, vivendo o presente…

    Ouve! Escuta a sua felicidade!
    Não! Desprende-te do corpo!
    Abre antes a tua alma
    Deixa-a ser a tua porta para a verdade!

    Rende-te à simplicidade
    Das coisas e dos animais,
    Pois estes ensinam-te muito mais
    Que qualquer experiência que já viveste!

    Escuta o silêncio…ouve as árvores,
    As pedras, o rio, o vento…
    Abre o teu espírito!
    Sê uno com eles!

    Não te esqueças do lindo azul do céu
    Essa cor profunda faz-nos pensar…
    E cor mais bela, com franqueza, não há!
    Se estiver encoberto, olha para lá
    E lembra-te:
    Por detrás desse cinzento está a cor
    Mais bonita que se pode ter!

    O mesmo acontece connosco, sim!
    Pois, por trás desses pensamentos negros,
    Dessa tristeza sem fim,
    Está o mais lindo diamante:
    A nossa alma, a nossa essência!

    ResponderExcluir