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quarta-feira, 14 de julho de 2010

A HUMILHAÇÃO



A HUMILHAÇÃO


“A humilhação” é o título do livro mais recente de Philip Roth, escritor americano ganhador do prêmio Pulitzer em 1997 e um dos mais lidos na América. O livro é uma daquelas leituras que geram mal-estar, mas que depois nos leva a refletir.
O enredo é a estória de um famoso ator que perdeu a capacidade de representar e a segurança acabando por ser internado numa clínica psiquiátrica, mas que encontrou de novo a razão para viver num romance com uma garota 25 anos mais nova do que ele, cujos pais haviam sido seus companheiros no teatro.
Simom Axler (o ator) é um homem de 60 anos que está buscando razão para continuar vivo e tirar a idéia de suicídio da cabeça. Pegeen Mike é uma garota professora universitária lésbica e que diz estar apaixonada por Axler ao mesmo tempo em que foge da antiga amante Louise.
Embora Louise, ferida por ter sido rejeitada por Pegeen, alerte Axler dizendo que Pegeen é oportunista e não ama ninguém, o velho ator resolve aceitar o desafio e tentar viver feliz ao lado da garota Peggen.
Axler tem contra si o fato de estar desempregado temporariamente, ter sido internado numa clínica psiquiátrica e não gozar da simpatia dos pais de Peggen. Mesmo assim, ele usa o dinheiro que possui para comprar roupas novas para Pegeen e fazê-la voltar a ter feminilidade.
Peggen parece agradecida e apaixonada por Axler, mas o que está por trás do superficial caso de “amor” é toda a crueza e absurdo da vida e dos relacionamentos humanos mesquinhos. Axler suspeita que um dia a garota chegará à conclusão que a relação entre ambos foi um erro e terminará tudo, mas mesmo assim arrisca todas as suas fichas neste jogo perigoso.
“O mal que nós tememos sempre nos sobrevém”, diz um antigo livro religioso. Um dia, sem mais nem menos, exatamente quando Axler passou dias planejando ter um filho com Pegeen e recuperou a sua auto-estima, a garota chega diante dele com as suas antigas roupas de homem e diz que tudo acabou. Axler não suporta a separação e acaba se suicidando.
A vida como ela é, eis o resumo do livro de Philip Roth. A vida mostrada como um rolo compressor que devasta pessoas e destrói sonhos que tinham servido para restaurar almas desiludidas. É o absurdo e impiedade da existência que o livro de Roth nos mostra em cores vivas.
Entretanto, podemos tirar algumas lições dessa estória trágica de amor entre um homem mais velho que enfrenta um momento difícil e uma garota perdida e confusa que escolheu seguir um caminho difícil de ser seguido.
Algumas coisas e pessoas são como são e não se pode mudá-las nem com toda a boa intenção do mundo. Não deveríamos perder tempo tentando mudar nada e nem ninguém, pois o mundo e a vida das pessoas seguem um curso natural que nem eu e nem você pode alterar.
Existem pessoas que nunca se habituariam a uma vida dentro dos padrões ditos normais da sociedade. Um porco, mesmo depois de banhado e adornado, sempre voltará para o lixo. Um lobo, mesmo vestido com pele de cordeiro, será sempre um lobo e na hora que menos se espera ele atacará. Axler errou quando quis transformar lobo em cordeiro!
Outra lição que podemos aprender com o livro em questão é que jamais devemos buscar o sentido para as nossas vidas em outro ser humano ou em um relacionamento por melhor que ele seja. O sentido para a vida está além dos beijos e abraços e dos projetos humanos construídos e fundamentados com base nas emoções passageiras.
A triste estória de Axler e Pegeen também nos ensina que as pessoas sempre nos abandonam quando mais precisamos delas. Daí Renato Russo ter dito profeticamente em uma das suas canções: “Todos se afastam quando precisamos de carinho, força e cuidado”. A casa cheia de hoje estará sombria e vazia amanhã!
O livro também nos ensina, embora sejamos resistentes a essa verdade, que às vezes a nossa própria família contribui para a nossa desgraça. Foi isso o que aconteceu com Pegeen que foi aconselhada pelos seus educados, mas ignorantes pais, a abandonar Axler por este se tratar de um homem mais velho, que já havia sido internado numa clínica psiquiátrica e que estava temporariamente desempregado.
A família de Pegeen preferiu vê-la de volta à vida precária que tinha antes de conhecer Axler do que acreditar no potencial do velho ator. O julgamento da família baseou-se numa impressão momentânea que acabou contribuindo no final das contas para a desgraça da própria filha a quem diziam amar. As vezes os pais são burros!
Por último, o que este bom e chocante livro nos ensina é que o poder que as pessoas têm sobre nós somos nós mesmos que outorgamos. Pegeen dominou Axler ao ponto de levá-lo ao suicídio por que ele a idolatrou e viu nela mais do que ela de fato era. O velho ator, embora experiente, esqueceu que aquela garotinha instável era só um ser humano igual a ele e que ia ao banheiro três vezes ao dia como todo mundo.
Caso eu tivesse escrito este livro, daria outro final a estória. Ainda que eu não goste dos finais felizes, eu terminaria o livro com o ator recuperando a vontade de viver e a garota seguindo o seu caminho. É que eu acredito na capacidade de superação dos seres humanos!
Eu concluiria o livro mostrando não a ausência de dor na vida do velho ator, mas descrevendo a sua sobrevivência e recuperação. A minha própria experiência têm me mostrado que isto é possível.
A razão para a minha existência e o sentido para a minha vida não está do lado de fora, em alguém ou em alguma coisa, mas ardendo dentro do meu coração! Tudo e todos passam, bobagem morrer ou matar por isso!

André Pessoa

Um comentário:

  1. Este texto é especialmente complexo, no que diz respeito aos caminhos que ele abre, as rotas de fuga, os pontos de encontro. Como você, acredito que a única mudança possível é aquela que você opera em si mesmo. Como você, acho que não podemos depositar no outro a responsabilidade da nossa felicidade. Como você, acredito na capacidade de recuperação dos seres humanos. E até mesmo por isso (incluo aqui a crença na solidariedade, amizade, cumplicidade, etc...), ao contrário de você, eu acho que as pessoas não nos abandonam quando mais precisamos, nós é que não estamos acostumados a perceber e dar valor aos que estão conosco "pro que der e vier". O mais comum, infelizmente, é, passada a crise, esquecermos logo quem nos deu a mão, o ombro...
    Obrigada pelas suas sempre pertinentes reflexões. Você discute com simplicidade, profundidade e propriedade os mais variados assuntos. Já pensou na carreira de colunista (jornal ou revista) ou cronista social?
    Faria sucesso, sem dúvida.
    Bjs: sua fã

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